quarta-feira, 20 de abril de 2011

Aposentadoria (2): desafios da transição

Ainda sobre aposentadoria, que tratei na postagem anterior, uma outra questão relacionada é sobre o sentido do trabalho na nossa vida, sobretudo quando resulta de uma escolha profissional, em sequência à formação escolar. Acho que a experiência da aposentadoria não é fácil quando aprendemos a vincular nossa identidade em grande medida à profissão. E, também, quando temos no trabalho a maior fonte de relacionamentos e de inserção na grande rede da sociedade. 

É preciso lembrar também que a ciência e a industrialização trouxeram uma mudança radical no estatuto do saber,  bem descrito por Max Weber em uma passagem de A ciência como vocação. Ele comenta as reflexões do escritor Leon Tolstoi sobre o sentido da vida de uma pessoa em um sociedade na qual há sempre mais e mais por conhecer e por produzir.

"... a vida individual do homem civilizado, colocada dentro de um 'progresso' infinito, segundo seu próprio sentido imanente, jamais deveria chegar ao fim; pois há sempre um passo à frente do lugar onde estamos, na marcha do progresso. E nenhum homem que morre alcança o cume que está no infinito. Abraão, ou algum camponês do passado, morreu 'velho e saciado da vida', porque estava no ciclo orgânico da vida; porque a sua vida, em termos do seu significado e à véspera dos seus dias, lhe dera o que a vida tinha a oferecer; porque para ele não havia enigmas que pudesse querer resolver; e, portanto, poderia ter tido o 'bastante' da vida. O homem civilizado, colocado no meio do enriquecimento continuado da cultura pelas idéias, pode 'cansar-se da vida', mas não 'saciar-se' dela. Ele aprende apenas a minúscula parte do que a vida do espírito tem sempre de novo, e o que ele aprende é sempre algo provisório e não definitivo..." (Ensaios de Sociologia, p. 166)

Não concordo com propostas sobre reformulação dos direitos sociais, aumento de idade de aposentadoria e outros temas relativos a redução de gastos em encargos sociais, que contribuiriam para reduzir o nível de emprego. Para muitos, parar de trabalhar é "começar a viver". Mas a transição produtiva é um grande desafio. É preciso reaprender formas de sociabilidade esquecidas, viver os momentos pelo que eles valem, reconhecer a graça de viver o tempo presente,  depois de tantos anos de ênfase na disciplina e nas virtudes de sacrificar o hoje em prol do amanhã.

Por outro lado, às vezes coincide o tempo de se aposentar com o fim do casamento, com a saída dos filhos de casa. Outras vezes são problemas de saúde que se apresentam nessa fase. Apoio psicológico, inclusive profissional, é uma enorme ajuda.

Tenho amigos e colegas de trabalho formalmente aposentados e produtivíssimos. Dentre estes, uma "diarista" blogueira. São pessoas alegres e, especialmente, gostam do que fazem, sentem o que fazem como importante para outros, compartilham um certo sentimento de missão em seu trabalho e estão cheios de projetos e empolgação. Muito bacana!

2 comentários:

  1. Como falei a você pessoalmente, aposentar-se é muito bom em dois momentos: logo que começa e muito tempo depois, quando criamos um novo espaço no mundo. Entre uma coisa e outra, há um tempo (maior ou menor, dependendo de vários fatores) que ficamos à deriva, sem saber quem somos, o que vamos fazer e para onde podemos ir. A maturidade nos coloca com os pés no chão e muitos dos sonhos acalentados não podem ser vividos simplesmente porque perderam o sentido. Mas podemos criar outros, abrir novos espaços, envolver-nos em outras redes sociais. Não é fácil, é claro, mas é um desafio que dá sabor à vida. Beijinhos

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  2. Muito pertinentes e lúcidas observações, além de lançar um olhar pouco comum sobre esse caminho complexo e não linear. Obrigada. Beijinhos....

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