segunda-feira, 14 de março de 2016

Diversidade dos nossos dons e bem coletivo

No meu entender, limitado portanto, uma das mensagens da segunda leitura das missas deste domingo é um elogio à diversidade de crenças e culturas e um reconhecimento dos distintos trabalhos, dons com que contribuímos para o bem comum. Eis um pequeno trecho: "Há uma diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Ha diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum..." (1Cor 12,14/11). Então, essa antiga carta guarda lições cheias de frescor. É uma pena que tanto se critiquem as religiões como formas de sujeição ideológica, e muitas vezes o são, pois podem ser manipuladas... Mas, nas suas fontes estão balizas de nossa história, pontos altos de nossas civilizações. São leituras da condição humana, sobre quem somos e quem podemos ser, interpretações que vão além das nossas misérias objetivas e classificações, por exemplo, de ricos e pobres, homens e mulheres, nascidos em um ou outro país, analfabetos ou letrados, negros e brancos, tradicionais ou modernos, praticantes da religião A ou B etc. Ser todos dotados de dons pelo Espírito maior, e dons exercidos para o bem comum, como diz a Carta aos Coríntios, não é pouco! Nos obriga no mínimo ao respeito mútuo, nos compromete ao cuidado pessoal e coletivo e nos convida a reconhecer a graça que recebemos, independente de nossos méritos, ou posição social. Um texto como esse, portanto, traz um conhecimento profundo de nós mesmos e das sociedades que construímos. Além de conhecimento, é chamado à ação e a viver a vocação com tudo o que ela representa em compromisso com o próximo. Nessa perspectiva, então, o que existe não esgota o real, muito pelo contrário.
Não me arvoro a conhecedora da religião que professo - e muito menos sou praticante fiel (quem dera!) - mas queria dividir esta impressão da leitura de Paulo, um mestre que há dois milênios tem muito a nos dizer.

Esquecimento do passado, perdão e vida nova, em narrativas do Evangelho


A leitura de ontem (da liturgia católica) refere-se a uma das mais belas páginas dos Evangelhos. Traz a Palavra sobre a mulher adúltera que, pela lei, se deveria apedrejar - e que Ele não condenou - contrapondo-se assim à lógica humana. Esse episódio, juntamente com aquele sobre a atitude do pai que recebeu o filho pródigo com imensa alegria, independente do que tenha feito enquanto esteve longe, tem muito significado hoje. O Mestre indica o que é nossa tendência profunda: o amor, o perdão e a plena consciência de nossa condição igual de filhos, filhas, irmãos, em uma vida que vai além desta. Conscientes de nossas fragilidades comuns, mas ao mesmo tempo, de nossa grandeza. Todos temos grandezas. Além disso, somos chamados a esquecer o passado, a olhar para a frente, a perdoar a si e aos outros, porque a vida nova se abre a todo instante. Vida nova nessa perspectiva, liberta das mesquinhezas humanas, inscritas na nossa lógica cotidiana. No caso da adúltera, faríamos a condenação, talvez inclusive chamando o homem adúltero para tornar equitativa a pena. No caso do filho pródigo, iríamos primeiro condena-lo por seus erros, ainda que o acolhendo com alegria. Jesus considerou o pecado, mas amou a pessoa. Não castigou. Não castiga. E castigos, cabem a Deus, como lhe aprouver, não a nós! O que a experiência narrada nos Evangelhos mostra é o perdão, o amor. 

Também fez parte das leituras de hoje, esse trecho de Paulo, a reforçar também a novidade dessa forma de sentir, pensar e agir. Diz ele: Irmãos, eu não julgo tê-lo alcançado [a Cristo]. Uma coisa, porém, eu faço: esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente... (Filipenses 3, 13-14). 
Ao compartilhar esta reflexão da leitura de hoje, não pretendo fazer proselitismo, ou me considerar à altura daquela sabedoria mais que milenar. Jamais. Nunca. É só para dividir mesmo e convidar a folhear aquelas páginas cuja mensagem ainda fala ao coração, chamando por mudança, por tolerância, por respeito às pessoas em suas diferenças e integridade. Independente de qual seja nossa fé, ou falta de fé, eu acho que essas páginas são uma fonte de conhecimento do que somos e do que podemos vir a ser, como pessoas, como comunidades, como sociedade. 
O que somos se manifesta, por exemplo, no drama dos imigrantes que os países europeus hoje não querem, que as leis vedam a entrada. Como o Mestre - e mestres de outras denominações religiosas - agiria nesse caso? E em tantos outros casos nos quais nos relacionamos como estranhos. Ainda não aprendemos com aquele samaritano justo - vejam só, membro de um grupo étnico desvalorizado socialmente na época - ele que verdadeiramente acolheu o próximo que havia sido assaltado...