terça-feira, 26 de abril de 2011

Economia e participação popular: dois desencontros

Veio a público hoje a denúncia de Raquel Rolnik, relatora especial da ONU para a Moradia Adequada, de que autoridades de várias cidades que sediarão jogos da Copa, além das Olimpíadas de 2016 no Rio, estão desalojando e deslocando populações de maneira forçada, pagando indenizações insuficientes e sem preocupação com a realocação em condições dignas. A relatora fala em possíveis violações dos direitos humanos e lembra que a preocupação da entidade é que esses mega eventos deixem saldos positivos e promovam boas práticas de desenvolvimento. Segundo ela, falta transparência e os atingidos não têm voz. O roteiro é conhecido. Mas é bem interessante a atenção que esse programa internacional devota aos impactos sociais das obras. Geralmente, os holofotes apontam em primeiro lugar para as cifras e para os empregos gerados.

 Ao mesmo tempo,  em http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=55793, aprende-se que um grupo de "acionistas críticos" participou da Assembleia Geral dos Acionistas da Vale, na sede da empresa no Rio de Janeiro, dia 19 de abril de 2011. Os autores são membros da "Rede Justiça nos Trilhos" e mencionam "outros aliados da coalizão internacional dos Atingidos pela Vale”. Segue um trecho do texto:
"A crítica das entidades em representação das comunidades e trabalhadores atingidos focou no argumento de que todo esse elevado crescimento financeiro da empresa [200% o salto do lucro do ano passado para o atual] é uma moeda de duas faces e se dá às custas do sofrimento de muitos. Para exemplificar suas colocações, o grupo apontou para uma ampla série de pontos delicados".  Alguns desses pontos delicados se referem, é claro, à Amazônia. Um deles: "o povoado de Piquiá de Baixo, vítima há vinte anos da poluição do sistema mineiro-siderúrgico do Programa Grande Carajás, é um símbolo (conhecido a nível nacional e internacional) dos impactos gerados pela Vale na região. Urge o compromisso sério da Vale, com os investimentos necessários, para a efetivação do reassentamento das 350 famílias desse povoado, primeira e mínima medida de proteção". 

São dois exemplos de desencontro entre objetivos de desenvolvimento e populações  atingidas pelos efeitos adversos das intervenções, decididas e aplicadas a sua revelia. Nos dois casos elas não têm poder de barganha para usufruir, elas também, dos frutos do desenvolvimento. Portanto, desconsideradas como atores relevantes no processo. As reações - uma mobilização social e a cobrança vinda de uma organização internacional - podem levar a correções de rumos, o que é um avanço importante. A iniciativa dos "acionistas críticos" merece especial atenção. Eles cobram inovações na condução das assembléias de acionistas, de molde a favorecer a participação e a manifestação de críticas às linhas de atuação da empresa. 

Os números da economia são o que a sociedade faz deles.  Não há imperialismo dos dados econômicos de per se,  embora não pareça.  Eles também respondem a valores culturais e a relações políticas.

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