sábado, 17 de dezembro de 2016

Felicidade pessoal, social e os nossos saberes


Nosso mundo opõe felicidade pessoal e ordem social. Afinal, qual é a maior fonte das nossas tristezas? Doenças, sonhos desfeitos, fracassos, desastres, violência, acidentes, inveja, lutos ... São fruto de crenças, valores, escolhas... individuais e coletivas. Decorrem de desviarmos nossa imensa capacidade criativa, dons da espécie, para fins evitáveis.
Estou no computador, uso GPS, rede social... Muitas inteligências contribuíram para essas conquistas tecnológicas. É bonita a história dos saberes que geraram este lugar onde estou, ainda que história acompanhada de sofrimentos, por exclusões sociais com as quais nos acostumamos desde a noite dos tempos. A tal "luta de classes". Marx, em1848, elogiaria as forças produtivas que séculos anteriores sequer puderam imaginar, que intimidavam até as pirâmides do Egito. Muito antes, em perspectiva teológica, o apóstolo Paulo escreveu em palavras fortes a dialética dos nossos saberes. Opôs a sabedoria do mundo e dos seus "chefes passageiros " à de Deus. (1 Cor 2, 6-8). Acrescentou: "Se alguém dentre vocês se considera sábio neste mundo, torne-se louco para ser sábio. Pois a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus."(1 Cor 3, 18-19). Gosto muito dessa crítica aos nossos modos de pensar, agir e sentir e a nossa pretensão de superioridade frente aos pequenos e pobres. Enfim, quero dizer que sustentamos as injustiças do mundo porque naturalizamos muito do que existe, instituições, leis, costumes, como se fossem inevitáveis. Um exemplo é nossa atual submissão às leis do mercado como se fosse tudo. Cortar benefícios sociais, reduzir direitos, crescer, crescer e crescer para gerar emprego, quando já sabemos tanto de ecologia e das falácias do crescimento econômico a qualquer preço. Quase uma postura religiosa, proclamada por quem pensa se basear em ciência, não em valores e escolhas! Por que não podemos dominar o mercado - uma bela criação humana, aliás - ao invés de sermos dominados por ele? E vivemos na pele a falta de cidadania quando o cartão de crédito, ou a conta bancária está sem fundos. Perguntemos: onde estão concentrados os maiores recursos materiais, financeiros e tecnológicos? Com quem? Em que lugares? Quais os alvos dos orçamentos públicos? Em que nossas divisões de classe, de trabalho, de gênero, de raça, contribuem para as concentrações do que temos de melhor - saúde, conforto, conhecimentos, oportunidades, viagens, usufruir a natureza...?
E assim, cada um de nós vai tecendo a história de sua vida, procurando fazer o melhor, mas encontrando barreiras, por vezes destruindo vidas, por causas evitáveis se nossa capacidade de criar fosse orientada por outras sabedorias. Lá longe, seguindo o Mestre que vamos comemorar no Natal, mais uma vez Paulo falou das loucuras do mundo e nos convidou a enxergar esse mesmo mundo com outros olhos. Pregava uma teologia que é uma das maiores fontes de negação do real, que apela para nossa própria capacidade de refaze-lo, iluminados pela sabedoria divina cujo fundamento é o amor. Difícil! O mal, o injusto, está inscrito não só nos nossos corações e mentes, mas nas nossas instituições, nas nossas cidades, prédios, nos nossos noticiários, muitas vezes em nossas igrejas, enfim, em tudo que vemos com os olhos nos quais somos socializados. Parecendo civilizados, ainda pensamos segundo a Lei do Talião quando pregamos mais repressão como meio de combate à violência, por exemplo. Amor parece palavra fácil. Lendo o próprio Mestre, discernimos seu caráter mobilizador, como nessa passagem: "Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas a sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos". (Mt 11, 25) Ele então convidava aos cansados e curvados pelo peso do fardo, a segui-lo, pois sua carga era suave e o fardo leve (Mt 11, 29-30).
Tenho pena porque muitos de nós temos da religião uma visão distorcida, porque misturada com muito de história, de tradição... enfim, são muitas razões, que não posso discutir aqui. No entanto, eu acho que a fé - que estou ainda querendo alcançar - é poderosa fonte de conhecimento, que nos indaga sobre nossa "natureza humana", criaturas que somos também criadores. De novo, Paulo: "... o homem espiritual sabe discernir tudo e não se submete ao discernimento de ninguém". (11 Cor 2, 16). É uma palavra de liberdade. Sermos todos Filhos, não é trivial. Como aprender e praticar essa herança? Como conciliar mais e mais felicidade pessoal e coletiva?

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Ensino de qualidade

Compartilho texto da Aline Maneschy Macambira: sobre ensino de qualidade:
Já tive oportunidade de estudar em outro país (no período em que morei na Australia) onde a escola funcionava com matérias eletivas dessa forma. Podíamos escolher entre fotografia, teatro, economia doméstica, marcenaria, agricultura, dança, línguas estrangeiras diversas entre outras. Além disso, eu participei do coral e atuei no musical da escola (uma super produção que foi apresentada em nível quase profissional e assim era tratada pela instituição) foram várias matérias e atividades que davam amplo conhecimento sobre a vida e ensinam o aluno a buscar suas paixões e ambições. Ensino não é só decorar pra marcar certo em uma prova, jovem não tem que passar horas e horas por dia pra saber repetir o que lhe foi dito. Gostaria que o Brasil pudesse caminhar nessa direção mas as vezes parece que caminhamos pra trás.
Obs: sabe o que era obrigatório e amplamente incentivado nessa minha escola? Artes, educação física (com diversas modalidades) e sociologia e filosofia (com aplicação bastante pratica e voltada à formação da Australia enquanto nação)
Além disso, as aulas de ciências eram em laboratórios onde lidávamos diretamente com a pratica do que estávamos aprendendo, existiam clubes de matemática com competições diversas que eram quase times esportivos na escola, as aulas de língua envolviam leituras de romances e debates sobre eles e ao fim do ano o aluno deveria produzir um texto seu com personagens e uma narrativa elaborada.
Antes que alguém me pergunte: estudei em uma ESCOLA PÚBLICA enquanto morava na Austrália, que não tinha incentivo privado. Quando precisávamos de algo ou surgia um projeto para a escola que não estava previstas no orçamento os alunos, professores e comunidade local se reuniam e faziam várias atividades e trabalhos que ajudassem a reunir dinheiro.
E aí Brasil? Vamos lutar do jeito certo pela educação? Vamos escolher de uma vez por todas que tipo de futuro queremos?

Feliz Círio

Feliz Círio! Desejo aos meus amigos, católicos ou não, crentes ou não, todos que temos a graça da vida, esse dom maior que tanto desperdiçamos, que a paz seja sua companheira. A paz que vem de nosso destino maior, que vai além das mazelas do mundo que construímos. Desejo que possamos ser tocados pela lógica do filho da Senhora de Nazaré. Lógica que acima de tudo propõe fraternidade e justiça neste mundo. Que nos propõe viver a perfeição a que estamos destinados, do paraíso, da nova sociedade. A jovem mãe de Jesus parecia frágil. Mas era uma jovem de coragem que aceitou uma missão que rompia as barreiras sociais de um mundo tão injusto quanto o nosso hoje em dia. Então, que a força e a coragem da nossa Mãe de Nazaré e a Palavra de seu filho, nosso Mestre, nos inspire sempre. Obrigada Senhor por este Círio, pela vida, por minha família, meus amigos. Ilumine nossa cidade, sobretudo abençoa os mais vulneráveis, os excluídos, os pequenos deste mundo. Seu filho nos ensinou: o mal que fazemos aos pequenos é a Deus que fazemos. É a nós mesmos. Salve Rainha!

Adeus Jean!

Partiu para junto do Pai o meu querido ex-orientador de mestrado, parceiro de pesquisa, referencia intelectual, professor, apoiador... Jean Hébette! Uma vida tão rica que é difícil destacar alguma parte. Talvez o maior estudioso do campesinato amazónico, que uniu ciência, pesquisa rigorosa e ação de promoção dessa categoria e de seus movimentos sociais. 
Era sacerdote, fez sua missão também na academia e junto a tantos e tantos alunos... Ele tinha uma alegria genuína. Era dessas pessoas que realmente ficavam alegres com as alegrias dos amigos. E realmente se indignava com injustiças. Que descanse em paz! Obrigada amigo!!!!

Amor é risco

Amor é sempre risco, como sabem os amantes. Por ironia - diante do que fazemos com nosso mundo - nascemos do amor... Tanto ódio, diferenças inventadas como razão para excluir. Ironia, não?
Mas, o amor paixão tem elementos de nitroglicerina. Quando se rompe, com um dos lados ainda a bem querer, abismos chamam a alma. Não é preciso ir... Porque amor paixão deixa marcas no corpo e no coração. Sabedoria é usar as marcas como remédio, beleza no caminho a seguir trilhando e traduzi-las nas muitas formas em que o amor é possível e necessário...

Um magic boy

Um amigo, Linus Mattos, me falou ontem de um magic boy . Não é o simpático herói do desenho japonês, mas uma imagem pra pensar sobre uma presença na vida que é transformadora, que empodera e que também é mágica. E, como mágica, mas diferente do desenho, é às vezes uma presença passageira, fugidia... Ao passar, deixa novas cores e uma nova maneira de se ver e ver ao redor. Gostei Linus, de ter conhecido um magic boy! Um privilégio, viu?

Partiu Fidel

Partiu Fidel Castro, por décadas uma figura emblemática de muitos sonhos por uma sociedade igualitária. Muita coisa mudou desde então, os caminhos na construção dessa sociedade se diversificaram, vias se bloquearam, muito do "socialismo real" se tornou endurecido, o sistema preponderou sobre a pessoa e suas liberdades... E outras ideologias se desenvolveram, mais sensíveis aos dramas humanos e às dominações culturais, para enriquecer nossa compreensão, embora nem sempre nos armando melhor para construir o mundo justo. Estamos longe da via revolucionária que embalou sonhos e práticas no século passado. E estamos longe de propiciar oportunidades iguais para quem nasce nestes tempos tão modernos. Mas, presto aqui minha homenagem a Fidel que, de todo modo, apesar de tudo, deixou uma marca na nossa caminhada comum rumo a um futuro que desejamos melhor.

Amor em pedaços

Quero dividir o que estou vivendo hoje, o que talvez seja comum a outros amantes na mesma condição, experiencias de mescla de liberdade, ousadia e ao mesmo tempo o maior auto controle possível... Racional com risco e aventura. Na verdade, com tão poucas experiências de amor, a gente tende a concentrar toda a sensibilidade em cada gesto, em cada manifestação de carinho, em cada toque, como se ele tivesse a profundidade do mar na fluidez de um momento. É assim no beijo, é assim no abraço, é assim no "passeio pela pele"... Tudo, apesar de breve, é sentido em sua intensidade que envolve a alma... E se cola na memoria ....
E a sensibilidade aguçada enxerga - não sei se com lente de aumento - o que é bonito, o que tem uma qualidade estética larga, a expressão do amor a dois... Se é um amor passageiro, andante ..... Sem adeus mas também sem planos, sem marcas temporais .... Essas plenitudes aumentam... E cada gesto do amor, enfim, adquire como que vida própria. São viagens em si, cada um, e a vontade é poder guardar de cada um a memoria , o gosto e o tato... Como apreender esses infinitos instantes? A arte ajuda. A poesia e a música. Eu já disse antes que o meu amor passageiro tinha consigo a arte do encontro... Um escultor da amada, disse a respeito dele. A música Dois Rios, do Skank me socorre no desenho que quero fazer desses encontros. Os lábios são dois rios inteiros, sem direção. Foi assim. Ainda bem que existem os artistas que tem esse saber da vida através da beleza.

Fim de um amor e nossas memórias

Coração partido por alguém dói... Um dia, uma hora, inevitavelmente se passa a segundo plano no coração de alguém. Melhor dizer quase, pois conheço "casos" que duram uma vida. Mas, chega a "hora da verdade", em que se perdeu o lugar especial no alguém que é caro, lugar no qual se tinha o direito de escutar uma voz e de sentir uma presença que levava direto a um "paraíso", pois descobria e desvelava belezas, momentos até difíceis de expressar em palavras. Talvez um caleidoscópio seja uma boa metáfora.
Como segurar a barra dos primeiros tempos de realidade? Encontros sempre valem a pena! Tentar fazer do que hoje é ferida, uma parte da construção de nós, que é nosso corpo e nossa memória. Se a cicatriz ficar meio torta, talvez importe menos. Uma casa é mais linda se enfeitada com lembranças de viagens. As viagens rumo aos outros, com os outros, que elevam por dentro e por fora, são sempre as melhores, as dos melhores souvenirs.

Nossa tolerância com a desigualdade



Conversando com um amigo me dei conta de como, seguindo a agenda da mídia, boa parte das pessoas pensa que a raiz dos nossos males está na corrupção. Esta é gravíssima, mas é mais conseqüência que causa. Perdemos - ou nunca tivemos - uma ética sobre que nível de desigualdade social tolerar. Distâncias abissais entre os mais ricos e os mais pobres, como convivemos com isso sem questionar a fundo? Não é um mal da natureza, mas conseqüência de escolhas individuais e coletivas. Corrigir os fossos entre os mais privilegiados e os mais desprovidos passa por decisões de redistribuição, de sentidos de solidariedade que baseiam a formulação de políticas públicas. Não se trata de alcançar uma sociedade com zero de desigualdade, mas do nível de desigualdades que aceitamos como justo.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Sol de agosto e a dança

Em agosto, o sol de Belém continua brilhante. Pra quem pôde parar uns dias, hora de retomar o batente... Pra mim, também a retomada da dança de salão. Desejo aos meus amigos que se permitam descobrir a alegria feito corpo, que as danças trazem.

Racismo, superioridade e a nossa interdependência

Discursos racistas, de superioridade, anti-sociais, contra polítiticas distributivas de renda são próprios de quem nunca ou pouco passou necessidade na vida. De quem pensa que os privilégios que se tem são mérito. Mas, quem escolhe onde nasce? Esquecemos fácil que tudo que sem tem - dinheiro, saúde, oportunidades... - é graça. Portanto, o ter deve acompanhar-se de responsabilidade, de esforços para frutificar esse ter, é claro. Mas, sobretudo, de senso de gratidão e, portanto, de buscar o melhor uso dos talentos e haveres, para o bem maior. É como um "dever dos bens". Inclusive, porque tudo o que temos hoje, tudo que conhecemos, individual e coletivamente falando, é fruto do trabalho e do labor de tantos, gerações e gerações.
Nossa sociedade usa os bens para excluir. Em muitas situações, não ter dinheiro, é ser menor, cidadão inferior. Quantas sociedades, ao contrário, reconhecem nos bens a expressão da participação dos demais, fruto da divisão social do trabalho?

Estava ouvindo o discurso horroroso do Trump e me lembrei de uma mistura de Mauss, Malinowski, Marx (fetichismo da mercadoria), de alguns escritos do apóstolo Paulo chamando a atenção sobre nosso autoengano do mérito próprio e o esquecimento da graça, de que no fundo somos todos recebedores e, portanto, devedores. 

Bom Jesus das Selvas

Parada em Bom Jesus das Selvas, às margens da BR-222, em região que há pouco mais de quatro décadas abrigou a frente madeireira, depois pecuária, ampliada pelos grandes eixos rodoviários. Qual terá sido a motivação dos "pioneiros" ao dar esse nome ao novo lugar? O que viam e o que esperavam encontrar? Suas histórias estão nas muitas comunidades que fazem a diversidade sociocultural desse território.



Linha de trem e uma saudade

Um porto é uma saudade de pedra disse um poeta. Uma linha, então, é uma saudade de ferro...



Foto tirada na passagem de nível da EFC, defronte à Vila Francisco Romão, município de Buriticupu, Maranhão.


Chegando em Marabá junto com o minério, em 10 de agosto de 2016.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Redes sociais e vida pessoal

Nossa vida se faz sempre em uma teia de relações, pessoas com quem partilhamos o caminho. Mesmo quando a solidão parece se impor, não somos ilha, como já se disse. Cada dia que começa é possível pelo que tantos outros fizeram. Algumas presenças são duradouras, nossos afetos maiores, nossos amores. Outras são passageiras. Muitas, de maneiras imperceptíveis, ao cruzar nossa vida deixam frutos, ensinamentos, dádivas, bens cujo valor podemos nem perceber. Quanto todos devemos parte do que somos a tantos com quem interagimos, hoje, ontem, tempos atrás, talvez já esquecidos rostos, nomes...
Assim presto homenagem ao Professor Luís Carlos Silveira, que ontem partiu para a casa do Pai. Pesquisador de excelência na neurociência brasileira, deixa um legado valioso. Mas, quero que me referir a um episodio marcante nos meses em que usufruí da proximidade com ele. Meu ex-diretor, prestou-me solidariedade generosa em um momento difícil da vida, possibilitando-me prosseguir na trajetória profissional que escolhi. Um tempo curto e uma força influente. Obrigada Luís Carlos Silveira!

O milagre da dança

Meu amigo Válber Almeida referiu-se a  Ida Lenir Maria e a mim aqui no Face, a propósito de um vídeo que circula na net em que uma senhora de cabelos brancos, aparentemente franzina, dá um show de dança de salão em uma rua de uma grande cidade, com seu par. Vendo esse vídeo, agora que começo a experimentar a sensação da dança, tenho vontade de dizer que essa prática faz milagres. Na verdade, o que a dança faz é despertar forças que estão em nós. Descobrimos uma energia, uma empatia, uma musicalidade, uma sensualidade, uma capacidade de aprender, de adquirir uma nova cultura... O prazer que resulta dessa mistura é poderoso. Esse seria o milagre. Desvelar potencialidades. P.S.: Ainda preciso aprender muito! Como diz o professor Evandro Sales, todo mundo tem capacidade de dançar... Acredito cada vez mais nisso, mesmo se ainda tenho um bom caminho até parar de pisar no parceiro...

terça-feira, 26 de abril de 2016

Feminismo e valores cristãos

Feminismo não é ideologia de poder ou de destruiçao dos papeis sociais de mulheres e homens. É uma crítica a um dos tipos de desigualdade presentes em nossa sociedade: a desigualdade de gênero. É uma perspectiva de igualdade de oportunidades, de escolha e de influência na organização social. Não fosse essa crítica, mulheres não estariam hoje votando, trabalhando e cuidando das suas famílias, cada vez mais com o envolvimento genuíno dos companheiros homens. A valorização da paternidade como cuidado efetivo dos filhos pelos pais e mães, é parte desse projeto de igualdade social. Feminismo é, portanto, uma perspectiva de justiça e equidade. A influência da desigualdade de genero transparece, por exemplo, no reduzidissimo numero de mulheres no Congresso Nacional. Encontramos na vida de Jesus exemplos singulares de elevação da mulher, que ele deu muitas vezes, em um contexto histórico marcado pelo patriarcalismo, no qual a mulher era um ser de pouca importância e de poucos direitos. Já Maria em sua história, reverte nossa limitada lógica humana, que preza as hierarquias e o poder, não no sentido de serviço conforme aprendemos na última ceia do nosso Mestre. Para mim, então, feminismo não se opõe aos valores cristãos, ao contrário. Por outro lado, sei que feminismo é plural, com diferentes perspectivas. Mas, em todas as correntes ha um ponto comum: a busca de um mundo justo! E no qual os cuidados sejam valorizados e função de todos os humanos, independentemente do sexo.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Diversidade dos nossos dons e bem coletivo

No meu entender, limitado portanto, uma das mensagens da segunda leitura das missas deste domingo é um elogio à diversidade de crenças e culturas e um reconhecimento dos distintos trabalhos, dons com que contribuímos para o bem comum. Eis um pequeno trecho: "Há uma diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Ha diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum..." (1Cor 12,14/11). Então, essa antiga carta guarda lições cheias de frescor. É uma pena que tanto se critiquem as religiões como formas de sujeição ideológica, e muitas vezes o são, pois podem ser manipuladas... Mas, nas suas fontes estão balizas de nossa história, pontos altos de nossas civilizações. São leituras da condição humana, sobre quem somos e quem podemos ser, interpretações que vão além das nossas misérias objetivas e classificações, por exemplo, de ricos e pobres, homens e mulheres, nascidos em um ou outro país, analfabetos ou letrados, negros e brancos, tradicionais ou modernos, praticantes da religião A ou B etc. Ser todos dotados de dons pelo Espírito maior, e dons exercidos para o bem comum, como diz a Carta aos Coríntios, não é pouco! Nos obriga no mínimo ao respeito mútuo, nos compromete ao cuidado pessoal e coletivo e nos convida a reconhecer a graça que recebemos, independente de nossos méritos, ou posição social. Um texto como esse, portanto, traz um conhecimento profundo de nós mesmos e das sociedades que construímos. Além de conhecimento, é chamado à ação e a viver a vocação com tudo o que ela representa em compromisso com o próximo. Nessa perspectiva, então, o que existe não esgota o real, muito pelo contrário.
Não me arvoro a conhecedora da religião que professo - e muito menos sou praticante fiel (quem dera!) - mas queria dividir esta impressão da leitura de Paulo, um mestre que há dois milênios tem muito a nos dizer.

Esquecimento do passado, perdão e vida nova, em narrativas do Evangelho


A leitura de ontem (da liturgia católica) refere-se a uma das mais belas páginas dos Evangelhos. Traz a Palavra sobre a mulher adúltera que, pela lei, se deveria apedrejar - e que Ele não condenou - contrapondo-se assim à lógica humana. Esse episódio, juntamente com aquele sobre a atitude do pai que recebeu o filho pródigo com imensa alegria, independente do que tenha feito enquanto esteve longe, tem muito significado hoje. O Mestre indica o que é nossa tendência profunda: o amor, o perdão e a plena consciência de nossa condição igual de filhos, filhas, irmãos, em uma vida que vai além desta. Conscientes de nossas fragilidades comuns, mas ao mesmo tempo, de nossa grandeza. Todos temos grandezas. Além disso, somos chamados a esquecer o passado, a olhar para a frente, a perdoar a si e aos outros, porque a vida nova se abre a todo instante. Vida nova nessa perspectiva, liberta das mesquinhezas humanas, inscritas na nossa lógica cotidiana. No caso da adúltera, faríamos a condenação, talvez inclusive chamando o homem adúltero para tornar equitativa a pena. No caso do filho pródigo, iríamos primeiro condena-lo por seus erros, ainda que o acolhendo com alegria. Jesus considerou o pecado, mas amou a pessoa. Não castigou. Não castiga. E castigos, cabem a Deus, como lhe aprouver, não a nós! O que a experiência narrada nos Evangelhos mostra é o perdão, o amor. 

Também fez parte das leituras de hoje, esse trecho de Paulo, a reforçar também a novidade dessa forma de sentir, pensar e agir. Diz ele: Irmãos, eu não julgo tê-lo alcançado [a Cristo]. Uma coisa, porém, eu faço: esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente... (Filipenses 3, 13-14). 
Ao compartilhar esta reflexão da leitura de hoje, não pretendo fazer proselitismo, ou me considerar à altura daquela sabedoria mais que milenar. Jamais. Nunca. É só para dividir mesmo e convidar a folhear aquelas páginas cuja mensagem ainda fala ao coração, chamando por mudança, por tolerância, por respeito às pessoas em suas diferenças e integridade. Independente de qual seja nossa fé, ou falta de fé, eu acho que essas páginas são uma fonte de conhecimento do que somos e do que podemos vir a ser, como pessoas, como comunidades, como sociedade. 
O que somos se manifesta, por exemplo, no drama dos imigrantes que os países europeus hoje não querem, que as leis vedam a entrada. Como o Mestre - e mestres de outras denominações religiosas - agiria nesse caso? E em tantos outros casos nos quais nos relacionamos como estranhos. Ainda não aprendemos com aquele samaritano justo - vejam só, membro de um grupo étnico desvalorizado socialmente na época - ele que verdadeiramente acolheu o próximo que havia sido assaltado...