À notícia impressionante da queda de um prédio em Belém, ontem seguiu-se uma grande tristeza, diante das pessoas que morreram, se feriram, desapareceram. E as que perderam bens e empregos.
Dá uma tristeza, também, o fato em si do desabamento, a ruína de uma obra dessas, antes de tudo um trabalho humano coletivo. De muitas mãos.
Particularmente, não gosto de prédios residenciais muito altos. Mas eles são, sempre, um prodígio de técnica, testemunham a capacidade humana de superar limites ambientais, para o bem e para o mal. A engenharia é um grande testemunho. Pode-se, com razão, questionar sobre a qualidade da participação dos muitos atores que intervêm nesse esforço coletivo, sobre a divisão entre poder de decisão e execução, entre saber e fazer. De qualquer modo, isso não invalida o caráter de produção coletiva que uma obra desse porte representa. As ferragens retorcidas e os pedaços de concreto amontoados também estão dolorosamente a dizer da falha do trabalho humano, da súbita inutilidade de tantas horas de empenho, de aplicação, de cálculos, de decisões, de gestos, transpostos para o corpo da obra.
Muitas perguntas se levantam, é claro, sobre os erros, as razões, as culpas, os responsáveis, as indenizações etc. Acho que vale lembrar, também, um tipo de pergunta que não é nova, que várias pessoas se fazem: por que tão altos os prédios em Belém? são realmente necessários? há premência de espaço? Imagino que perguntas semelhantes foram feitas quando da construção do primeiro grande edifício em Belém, o Manoel Pinto da Silva, inovador em todos os sentidos em sua época.
Mas hoje, com a quantidade de prédios cada vez mais altos que se constroem na cidade, que deixam para trás os vinte andares que costumavam ser o limite das construções até os anos de 1990, outros questionamentos aparecem: quais os princípios que orientam as decisões sobre a localização dos prédios altos no espaço da cidade? respeitam-se critérios ambientais e culturais? como se equilibram os interesses e as demandas de mercado com esses critérios? Em uma economia capitalista liberal, de respeito absoluto à propriedade privada, a decisão do que fazer em um terreno cabe ao seu proprietário, como bem se sabe. Mas, em se tratando de obras de grande envergadura, sabe-se também que os impactos - as "externalidades" na linguagem econômica - vão muito além dos limites da propriedade.
Assim, pode-se também perguntar que categorias de atores sociais decidem, ou pelo menos são ouvidos, quanto a critérios de localização das obras. Aparentemente, apenas os agentes econômicos, as empresas detentoras dos imóveis, além dos órgãos públicos e agências reguladoras. E, aparentemente, o poder destas últimas é menor. Fatores menos ponderáveis como a incidência da luz solar na rua e nas casas vizinhas, o direito à paisagem, a circulação de ar, a memória coletiva da rua ou do bairro não contam, ou contam muito pouco. São as regras de nosso jogo coletivo de produção da cidade, movida a mercado liberalizado, a oportunidades de ganho e de acesso à boa moradia a quem pode pagar.
Muitas vozes há tempos vêm reclamando o respeito a um plano diretor na Região Metropolitana de Belém, o zoneamento e, ademais, que a cidade disponha de equipamentos compatíveis com o volume da ocupação e com o tamanho das construções e seus impactos, na forma de sistema de esgotos, redes de drenagem, recolhimento de lixo, trânsito, combate a incêndios, dentre outros.
A julgar pelos reclamos daqueles diretamente envolvidos e implicados, como os trabalhadores da construção por meio de seu sindicato, além dos moradores vizinhos, havia evidências de problemas na construção. Mas, por razões que os estudos vão indicar, não foram levados em conta.
Esses elementos configuram uma estrutura de comunicação fechada, pouco permeável, entre a obra e o sistema no qual se insere. E o que é uma obra de construção civil? Uma grande organização, mas que não funciona como "sistema de atores", conceito este formulado por sociólogos das organizações. Feed-backs não são incorporados no estilo de gestão vigente. É possível, também, que tendam a ser minimizados devido ao peso dos compromissos e encargos financeiros envolvidos no empreendimento. Uma vez em movimento, difícil fica parar, rever, retroceder.
Apesar da brutal diferença em volume e impacto social e ambiental, acho que a rigidez que acompanha o processo de expansão imobiliária nas áreas nobres de Belém é de mesma natureza da rigidez que acompanha o empreendimento hidrelétrico de Belo Monte, no Xingu. Em Belo Monte, as manifestações de insatisfação, as abordagens diferenciadas que apontam problemas, são levadas em conta apenas na medida em que há pressão social. Já sobre o uso e a apropriação dos espaços urbanos, a pressão é menor. É por isso que chamei esta postagem de organizações inflexíveis. Agem como se detentoras exclusivas, e legítimas, da razão técnica que dispensa outras considerações.
A pergunta espontânea que muitos fazem quanto ao por que da altura crescente dos prédios em Belém suscita uma resposta imediata: há demanda, há mercado a atender. Mas há também uma resposta que remete ao padrão de sociedade que acordamos construir e manter, que é muito desigual. Não há como construir edificações mais baixas ao longo de todo o espaço da cidade, pois não há poder de compra democraticamente distribuído pela população da cidade. Assim, o poder de compra se concentra verticalmente e se dilui horizontalmente. Não se misturam as pessoas que se encontram nos diferentes estratos sociais. Muito menos, se possível, suas moradias. Mas, aqui, já se está muito longe do prédio que ruiu.
Um prédio residencial é, também, uma fábrica de sonhos. Investir em uma casa é um sonho, realizá-la tem efeitos psicológicos que se estendem por toda a vida, sentimento de realização, de cumprimento de objetivos, segurança para os filhos se for o caso, para si... Esses sonhos desabaram junto para muita gente. Tomara que possam refazê-los logo. E que os que perderam entes queridos encontrem forças para superar a dor.
Dá uma tristeza, também, o fato em si do desabamento, a ruína de uma obra dessas, antes de tudo um trabalho humano coletivo. De muitas mãos.
Particularmente, não gosto de prédios residenciais muito altos. Mas eles são, sempre, um prodígio de técnica, testemunham a capacidade humana de superar limites ambientais, para o bem e para o mal. A engenharia é um grande testemunho. Pode-se, com razão, questionar sobre a qualidade da participação dos muitos atores que intervêm nesse esforço coletivo, sobre a divisão entre poder de decisão e execução, entre saber e fazer. De qualquer modo, isso não invalida o caráter de produção coletiva que uma obra desse porte representa. As ferragens retorcidas e os pedaços de concreto amontoados também estão dolorosamente a dizer da falha do trabalho humano, da súbita inutilidade de tantas horas de empenho, de aplicação, de cálculos, de decisões, de gestos, transpostos para o corpo da obra.
Muitas perguntas se levantam, é claro, sobre os erros, as razões, as culpas, os responsáveis, as indenizações etc. Acho que vale lembrar, também, um tipo de pergunta que não é nova, que várias pessoas se fazem: por que tão altos os prédios em Belém? são realmente necessários? há premência de espaço? Imagino que perguntas semelhantes foram feitas quando da construção do primeiro grande edifício em Belém, o Manoel Pinto da Silva, inovador em todos os sentidos em sua época.
Mas hoje, com a quantidade de prédios cada vez mais altos que se constroem na cidade, que deixam para trás os vinte andares que costumavam ser o limite das construções até os anos de 1990, outros questionamentos aparecem: quais os princípios que orientam as decisões sobre a localização dos prédios altos no espaço da cidade? respeitam-se critérios ambientais e culturais? como se equilibram os interesses e as demandas de mercado com esses critérios? Em uma economia capitalista liberal, de respeito absoluto à propriedade privada, a decisão do que fazer em um terreno cabe ao seu proprietário, como bem se sabe. Mas, em se tratando de obras de grande envergadura, sabe-se também que os impactos - as "externalidades" na linguagem econômica - vão muito além dos limites da propriedade.
Assim, pode-se também perguntar que categorias de atores sociais decidem, ou pelo menos são ouvidos, quanto a critérios de localização das obras. Aparentemente, apenas os agentes econômicos, as empresas detentoras dos imóveis, além dos órgãos públicos e agências reguladoras. E, aparentemente, o poder destas últimas é menor. Fatores menos ponderáveis como a incidência da luz solar na rua e nas casas vizinhas, o direito à paisagem, a circulação de ar, a memória coletiva da rua ou do bairro não contam, ou contam muito pouco. São as regras de nosso jogo coletivo de produção da cidade, movida a mercado liberalizado, a oportunidades de ganho e de acesso à boa moradia a quem pode pagar.
Muitas vozes há tempos vêm reclamando o respeito a um plano diretor na Região Metropolitana de Belém, o zoneamento e, ademais, que a cidade disponha de equipamentos compatíveis com o volume da ocupação e com o tamanho das construções e seus impactos, na forma de sistema de esgotos, redes de drenagem, recolhimento de lixo, trânsito, combate a incêndios, dentre outros.
A julgar pelos reclamos daqueles diretamente envolvidos e implicados, como os trabalhadores da construção por meio de seu sindicato, além dos moradores vizinhos, havia evidências de problemas na construção. Mas, por razões que os estudos vão indicar, não foram levados em conta.
Esses elementos configuram uma estrutura de comunicação fechada, pouco permeável, entre a obra e o sistema no qual se insere. E o que é uma obra de construção civil? Uma grande organização, mas que não funciona como "sistema de atores", conceito este formulado por sociólogos das organizações. Feed-backs não são incorporados no estilo de gestão vigente. É possível, também, que tendam a ser minimizados devido ao peso dos compromissos e encargos financeiros envolvidos no empreendimento. Uma vez em movimento, difícil fica parar, rever, retroceder.
Apesar da brutal diferença em volume e impacto social e ambiental, acho que a rigidez que acompanha o processo de expansão imobiliária nas áreas nobres de Belém é de mesma natureza da rigidez que acompanha o empreendimento hidrelétrico de Belo Monte, no Xingu. Em Belo Monte, as manifestações de insatisfação, as abordagens diferenciadas que apontam problemas, são levadas em conta apenas na medida em que há pressão social. Já sobre o uso e a apropriação dos espaços urbanos, a pressão é menor. É por isso que chamei esta postagem de organizações inflexíveis. Agem como se detentoras exclusivas, e legítimas, da razão técnica que dispensa outras considerações.
A pergunta espontânea que muitos fazem quanto ao por que da altura crescente dos prédios em Belém suscita uma resposta imediata: há demanda, há mercado a atender. Mas há também uma resposta que remete ao padrão de sociedade que acordamos construir e manter, que é muito desigual. Não há como construir edificações mais baixas ao longo de todo o espaço da cidade, pois não há poder de compra democraticamente distribuído pela população da cidade. Assim, o poder de compra se concentra verticalmente e se dilui horizontalmente. Não se misturam as pessoas que se encontram nos diferentes estratos sociais. Muito menos, se possível, suas moradias. Mas, aqui, já se está muito longe do prédio que ruiu.
Um prédio residencial é, também, uma fábrica de sonhos. Investir em uma casa é um sonho, realizá-la tem efeitos psicológicos que se estendem por toda a vida, sentimento de realização, de cumprimento de objetivos, segurança para os filhos se for o caso, para si... Esses sonhos desabaram junto para muita gente. Tomara que possam refazê-los logo. E que os que perderam entes queridos encontrem forças para superar a dor.
A cidade está triste.