quinta-feira, 31 de maio de 2012

Saneamento de Belém e a violência cotidiana

É sempre chocante constatar os números de uma recente pesquisa do IBGE divulgada no final da semana passada, dando conta que Belém é a metrópole brasileira com pior índice de atendimento à população com saneamento. Quase metade de seus moradores convive com esgoto a céu aberto. É uma violência diária! 

Quais os efeitos dessa carência, sobretudo para as crianças? Como se constitui seu dia a dia, ir e vir da escola? O que é o lar, o que são férias? Diante desses números, a publicidade festiva das dez escolas em tempo integral de Belém, em 2012, fica pálida. Deveria ter outro tom: ao invés do carimbó e dos risos, um reconhecimento público de nossa falência social, de uma vagarosíssima corrida contra o tempo para recuperar dignidades e futuros.

Isso tudo é conhecido. Mas sempre dói reconhecer mais uma vez. 

domingo, 13 de maio de 2012

Cadeia produtiva de mães

Dia desses, em discussão em aula sobre relações de gênero e trabalho, discutimos dois textos de literatura - de  Cora Coralina (Tesouros da Casa Velha) e de Maria Lúcia Medeiros (Velas por quem?). Enfocavam uma biografia outrora típica de mulheres pobres em cidades provincianas do Brasil, que começaram cedo nas lides domésticas em casa alheia. Pois bem, nas discussões em sala, surpreendemo-nos, alunos e professora, com os casos de uma aluna e um aluno que eram, respectivamente, filha e neto de uma dessas meninas "crias" em casa de família. Menos surpreendentes foram os relatos de várias alunas, de que podiam estar ali, investindo em sua formação profissional, por disporem dos serviços de uma mulher, geralmente uma empregada doméstica, a quem confiam filhos pequenos ou alguém na casa que requer cuidados contínuos, uma pessoa idosa por exemplo.

Manifestavam-se ali traços comuns do exercício da maternidade entre nós. Um deles, a "conciliação" vida familiar e atividade profissional, assunto de mulheres. Alunas se referiram a essa experiência, reforçando o que a literatura pertinente aponta quanto ao fato se ser essa uma solução que ainda diz respeito, sobretudo, às mulheres. São elas, principalmente, que enfrentam os dilemas e as culpas quando as formas de acomodar ambos os planos, ambos os sonhos, são atrapalhadas, desajeitadas, não se acha a pessoa certa, não se tem o tempo desejado, não se supre devidamente as carências, das mães e dos filhos. Outro traço comum verificado foi a frequência com que nossas "ajudantes", "secretárias", empregadas domésticas que são, muitas vezes, cuidadoras sem o reconhecimento profissional pertinente, também fazem a conciliação vida e trabalho. Também elas recorrem a outras, da família ou de fora, tirando parte dos rendimentos para pagar uma cuidadora para seus próprios filhos e parentes.

E, assim, desse modo privado, doméstico, seguimos resolvendo parte da tensão da chamada conciliação entre vida familiar e trajetória profissional, com maiores ou menores possibilidades, pois as desigualdades sociais são profundas. Daí me ocorreu a idéia do título desta postagem sobre o dia das mães, a de uma cadeia produtiva que efetiva a maternidade. Trata-se de uma rede social em grande parte informal e silenciosa, feita de trabalhos e cuidados, afeto e conflitos, reconhecimento e invisibilidade, direitos conquistados e, não obstante, negação de direitos.

E as mães seguem dando vida, amor, cuidados, até nos nomes que escolheram para os filhos, sozinhas ou compartilhando a decisão com os companheiros, nomes que refletem o fato de que, especialmente naquele instante em que deram à luz, sonharam um futuro bom para os seus.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A obra municipal na competição

Nos últimos dias assiste-se na TV, quase à exaustão, propagandas da Prefeitura de Belém sobre a construção do sistema de ônibus rápido BRT. Após as palavras da Presidente Dilma elogiando o projeto, em discurso de anúncio de obras financiadas pelo PAC, ouve-se o Prefeito a indicar, em estilo personalista, que "saiu na frente" para realizar a obra de tamanha importância. 

Ficam no ar várias perguntas. A cidade está competindo? Saiu na frente do que? A obra está na frente dos outros municípios da Região Metropolitana, cujos projetos de transporte serão integrados ao seu? Está na frente do Estado? De um planejamento urbano do qual a obra faz parte? Saiu na frente contemplando a criação ou manutenção de ciclovias? Sendo um projeto "consistente", essas perguntas por certo já devem estar respondidas em uma obra "na frente".