quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Linhas no céu

 Hoje no céu

Nuvens pareciam linhas
À espera de palavras
Havia outras
Quase pássaros
Convidando os poetas, os amantes
Os solitários
Os distraídos passantes
A escreverem no alto
O que o coração guarda...
Pode ser uma imagem de nuvem e natureza

Ruma minha canoa...

Ruma minha canoa, às águas do rio-mar!

Na proa, os sonhos são companhia
No embalo da maresia
Da popa, se afasta a cidade
E em meu coração marinheiro
Já se avizinha a saudade!


Sous la brume

 Le soleil pâle s'en va sous la brume

De cet après-midi pluvieux à Belém
L’image me rappelle d'autres soleils...
Combien d'amours se sont perdus
Et des passions disparues
Sous les brumes des mésententes?
Même des guerres se sont déclarées...
Suite à des silences successifs
Silences avides de mots
Qui ne furent pas dits?
Pourtant,
Si l'amour brilla un jour comme un soleil
Sa lumière subsiste encore fugace
Quelque part au fond du coeur
...
Aux amis qui sont poètes
Voici mon poème sans rime
À vous qui maîtrisez l'art
De lire dans les paysages
La géographie de l'âme.
Pode ser uma imagem de neblina, crepúsculo e céu

Lua na tarde

 A lua chegou ainda de tarde

As nuvens se aproximaram
E propuseram um trato:
Oferecer à cidade
Uma aquarela de luz!



Convite do por-do-sol

 

Detrás do entardecer nublado
Já não se esperava mais luzes
Nem cores, antes da noite
Eis que o sol mandou um presente
Um desenho no horizonte.
Nem precisava mais brilhar por hoje
Já iluminava outras terras...
Quis, porém, pintar Belém
Fazer da boca da noite
Um convite à bem-querência!



segunda-feira, 3 de maio de 2021

O amante passageiro se vai (Texto de dezembro de 2016)

Estou na meia idade. Situação social e econômica estável, frutos de trabalho de anos a fio... 

Trago a “ferida” de um cataclismo. Já quase cicatrizada devo dizer: o casamento de trinta e seis anos que terminou há três. Mas, no sofrimento que seguiu, me deixei rever de mim, da espiritualidade rasa à autoestima sempre baixa... Tive amigos que não me facilitaram a trégua da auto piedade, me falaram duro pra buscar um lado construtivo “das voltas que a vida dá”. 

Hoje me acho bonita. Pra mim, uma revolução! Claro que procuro não esquecer que beleza, saúde, disposição... tudo é graça... não mérito. De todo modo, nessa descoberta de que tenho um estoque de encantos, a dança tem lugar de honra. Recomendo a todo mundo! E não é que por essa via da dança, a vida me ofereceu há alguns dias, um encontro de amor, ardor e sexo em belíssima expressão? Em outro texto, pretendi registrar o incomensurável dessa chegada. Se posso representa-la com imagens, foi como cachoeira caindo em riacho, maré de lua subindo a foz, autoestrada cruzando vicinal. Mas, de preço alto! É encontro passageiro, não dá pra segurar. E agora, vivo as “veredas do adeus” de que falam Almir Sater e Renato Teixeira na música “O amor tem muitas maneiras”. 


Hoje, portanto, é hora da descontinuidade. Mais um aprender preciso: o saber viver a intensidade dos momentos, sem prender o que “anda a esmo”, como diz o poeta Emanuel Matos em “Outras saudades”. Para mim, solteira, vivendo socialmente o que a classificação da faixa etária implica, desapegar é lição urgente, curso intensivo sem direito à segunda chamada, ou reprovação. Tenho amigas bem mais a frente nesse curso! 

Nesse aprender, quero registrar memórias do meu amante passageiro, quem sabe rever em outros tempos. Também me move o desejo de dividir o tesouro que desfrutei. Mostrar a caixa de joias que só eu tive. Então, antes de esquecer, preciso escrever esse amor paixão... 

Primeiro, foi o seu jeito de olhar. Ele mira recônditos, percorre sinuosidades do corpo, vê charmes em gestos sobre os quais eu sequer perguntaria: o que tem aí? Ele é dono, então, do que eu imagino ser uma habilidade milenar dos bons amantes, que é saber revelar para o amado graças e surpresas, a ponto de revirar o olhar do outro sobre si mesmo. Porque ele se permite essa liberdade de ver essas coisas. E, assim, dono de uma segurança no olhar erótico - no sentido pleno desta palavra - ele também junta conselhos. Não há na voz indício de elogio fácil, romantismo barato... Ao invés, é admiração genuína, surpresa quase infantil pois espontânea... Assim, da sugestão da cor que me cai bem, ao riso por notar um meandro na perna ou o molejo da cintura... O cheiro, o gosto, traços não escapam à sua mirada... ele é como um escultor da amada... 

Esse amante é uma alma leve. Anota fascínios. Com quantos outros o faz? Pergunta sem juízo! Não cabe fazer. Com ele, enfim, compreendo tantas músicas que falaram do perfume que os amantes se deixam. Senti sua presença como uma forma de arte, maestria do encontro, sensualidade que arrebata.

Contudo, como é amor passageiro, encontra seres carentes, que querem ceder à tentação do apego e da posse. Assim, sua chegada não é para muito frágeis. É de risco. Requer abertura de espírito e, na medida do possível, aprendizado rápido. Esta, sem dúvida, a melhor solução. 

Eis que agora pareço querer sofrer porque a estrela se foi, já virou a maré. Uma dor se insinua. Mas, se a sabedoria das belezas me ensinar, se os versos de muitos amantes me inspirarem, saio dessa viagem maior do que embarquei... Porque, como aprendi com ele, demos e recebemos um do outro.

Ressoam de novo em mim palavras de “Quase nada”, de Zeca Baleiro, que elegi a música de nosso affair

De você sei quase nada, pra onde vai, ou por que veio. Nem mesmo sei qual é a parte da tua estrada, no meu caminho. Será um atalho, ou um desvio, um rio raso, um passo em falso, um prato fundo, pra toda fome que há no mundo. Noite alta que revele, o passeio pela pele...

Com meu jovem amante vivi um atalho, um desvio, um prato fundo e um passeio pela pele! Nunca um passo em falso, muito menos um rio raso. Nossa história foi breve. Claro que eu queria mais. Mas isso também não me diz respeito. Só viver e prosseguir.

Gratidão sempre!

 Republicando um texto de 2016

Uma das poucas certezas da vida é a incerteza da vida. Insidiosamente, de passagens em passagens, de permutas em permutas, o curso da vida muda.  Mais para uns, menos para outros... mas mudam sempre corpo, interioridade, paisagem, contexto, meio, os queridos e os anônimos. Manejar o leme, exercer algum controle na trajetória, é maestria invejável.  Sobretudo, exercer controle sobre os companheiros do caminho, especialmente os mais caros, moradores no fundo do coração. Mas, missão inglória. Esforço nulo. Bom que assim seja, somos todos livres, sujeitos em buscas de ser na viagem comum, migrantes que somos.

E no entanto, é um equilíbrio precário o que se alcança, o controlar a vida. No fundo, é desejável, necessário. Pois a incerteza e as mudanças de curso tanto abalam, riscam a alma e as certezas, quanto abrem rotas novas... Se o controle por acaso vem a ser bem sucedido, a vida ossifica, passa a hora de sacodir o que nela enrijeceu e se fechou...

Digo isso a propósito de uma dimensão sobre na qual pesam pressões seculares de controle, costume, autocensura e censura pública. O sexo e a paixão para uma mulher só, a chegar oficialmente na velhice e, portanto, a que não desperta e nem arde de desejo. Já abrandou a memória do encontro amoroso, do toque... Moral e comportamentos reafirmam o fora do lugar que representa acender o que devia estar quieto ... Eu mesma vi meu casamento encerrar em parte por isso...

Eis que descubro que desejo, ardor e paixão não se apagaram. Mudaram, por certo, da paixão do corpo aos vinte. Mas, menos em intensidade do que poderia pensar, e mais em qualidade. Se expressam agora com coragem, abertura, liberdade de entrega, aquecidos pela gratidão e pela redescoberta – quase uma primeira vez ... Eis que numa curva da vida, chega um jovem que - loucura das loucuras – me olhou como mulher, me desejou e, de imediato, despertou a chama. Como um presente da vida, me convidou ao amor paixão e, pois, a saborear a infinitude do que é passageiro, usufruir o amor e sua expressão sexual.  Seu olhar e seus gestos não me distinguiram como corpo mais velho, de imperfeitos... e, assim, esse menino – posso assim chama-lo com afeto - me permitiu que eu mesma me redescobrisse. Retirou de mim mesma a cortina da convenção e do hábito, que eu tanto contribuíra a tecer. Deu-me, assim, um presente de uma beleza que não consigo traduzir em palavras.

Nada de prender, nada de futuro, nada de reter o que é fugidio, onda, vento, chuva que renovaram uma trajetória e lhe aqueceram quase além da medida.

Nada, penso saber agora, nada permite selar a priori a morte do desejo e da paixão para a mulher que envelhece, seja por um decreto da cultura, por uma resolução da biologia, ou pela sanção moral ou, simplesmente, pelo esquecimento e pelo desuso.

Escrevo este texto porque quero confia-lo a tantos homens e tantas mulheres beirando ou passando os sessenta, os setenta... especialmente aos homens que acham que apenas nas mais novas saciarão o desejo e que pretendem afirmar algum controle inócuo sobre o tempo. E dedico também, para as mulheres que se conformaram e que, como eu, foram sublimando esse lado da vida, essa capacidade de amar e desejar com que fomos agraciados desde nossa criação... A esses homens que não olham mais para suas companheiras de casamento com olhar renovado... A essas mulheres que se privam de reacender o que de fato não morre, apenas abranda, e retorna grande, intenso, mágico.

Ontem, dançando com o jovem amante, eu olhava ao longe mesas com homens mais velhos, da mesma idade que eu, a beber, e pensava o quanto nenhum deles sequer olharia para mulheres como eu. Eu vivia o momento mágico que não sei se a sorte ou o destino me reservou. E, compreendi: todas temos fogo – desculpe, não encontro palavra menos comum –  temos ardor, temos desejo e capacidades de exprimi-los no encontro com o outro, no encontro de amor... Olhares desassombrados, sedução, vontade de surpreender, vontade de conhecer... tudo é possível, me ensinou ele.

Tive um presente da vida que me levou a aprender uma velha lição.  Relaxei os controles e me permiti me abrir ao incerto e seus riscos, recebendo em troca muito mais do que esperava conseguir. Obrigada companheiro de passagem que acostou em meu porto. Seja feliz!

 Belém, 02 de novembro de 2016.


quinta-feira, 18 de março de 2021

Dias de sondar o céu

 

Nestes dias de solitude

Acostumei escrever sobre o céu

A propósito dos crepúsculos

Vez por outra das auroras

 

Ensaio interpretar suas cores

E ver nas nuvens desenhos

Que sugiro serem dádivas

À cidade distraída

 

Hoje a tarde foi de chuva

As cores se atenuaram

Como de hábito sondei mensagens

No azul e no cinza, sinais

 

O que vi foi mais distante

Estradas e mares adiante

Lá onde um dia deixei

Lá onde um dia encontrei

Um trecho do coração




Aujourd'hui j'ai envie d'écrire

 

Aujourd'hui j'ai envie d'écrire
Trop de silence
Les couchers sont gris​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​
Où les couleurs éclatantes
Des tous printemps​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​?​​​​​​​​​
Pas d'amour
Pour orner le coeur
Aucun désir de lui
De son corps
Et de sa voix
Traversant la peau
Jusqu'à confondre l'âme:
Quel est la part de chacun
Dans la plongée ensemble
De l'acte d'amour?
Aujourd'hui la pluie
Le silence compagnie
Le désir lancé en l'air
Vers les dessins du ciel...


Hoje quero escrever

Faz muito silêncio

O pôr do sol está cinzento

Onde achar as cores vibrantes

Dos verões?

Sem o amor

De ornar o coração

Sem desejar

Seu corpo e sua voz

Cruzando a pele

Até confundir a alma:

Qual é a parte de cada um

No mergulho juntos

No ato de amar

Hoje a chuva lá fora

O desejo é lançado

Rumo aos desenhos

Feitos no céu.

O perdão, a misericórdia e o amor

Uma das mais belas páginas dos Evangelhos traz a Palavra sobre a mulher adúltera que, pela lei, se deveria apedrejar - e que Ele não condenou - contrapondo-se assim à lógica humana. Esse episódio, juntamente com aquele sobre a atitude do pai que recebeu o filho pródigo com imensa alegria, independente do que tenha feito enquanto esteve longe, tem muito significado hoje. O Mestre indica o que é nossa tendência profunda: o amor, o perdão e a plena consciência de nossa condição igual de filhos, filhas, irmãos, em uma vida que vai além desta. Conscientes de nossas fragilidades comuns, mas ao mesmo tempo, de nossa grandeza. Todos temos grandezas. Além disso, somos chamados a esquecer o passado, a olhar para a frente, a perdoar a si e aos outros, porque a vida nova se abre a todo instante. Vida nova nessa perspectiva, liberta das mesquinhezas humanas, inscritas na nossa lógica cotidiana. No caso da adúltera, faríamos a condenação, talvez inclusive chamando o homem adúltero para tornar equitativa a pena. No caso do filho pródigo, iríamos primeiro condena-lo por seus erros, ainda que o acolhendo com alegria. Jesus considerou o pecado, mas amou a pessoa. Não castigou. Não castiga. E castigos, cabem a Deus, como lhe aprouver, não a nós! O que a experiência narrada nos Evangelhos mostra é o perdão, o amor.

Também fez parte das leituras de hoje, esse trecho de Paulo, a reforçar também a novidade dessa forma de sentir, pensar e agir. Diz ele: Irmãos, eu não julgo tê-lo alcançado [a Cristo]. Uma coisa, porém, eu faço: esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente... (Filipenses 3, 13-14). Ao compartilhar esta reflexão da leitura de hoje, não pretendo fazer proselitismo, ou me considerar à altura daquela sabedoria mais que milenar. Jamais. Nunca. É só para dividir mesmo e convidar a folhear aquelas páginas cuja mensagem ainda fala ao coração, chamando por mudança, por tolerância, por respeito às pessoas em suas diferenças e integridade.

Independente de qual seja nossa fé, ou falta de fé, eu acho que essas páginas são uma fonte de conhecimento do que somos e do que podemos vir a ser, como pessoas, como comunidades, como sociedade. O que somos se manifesta, por exemplo, no drama dos imigrantes que os países europeus hoje não querem, que as leis vedam a entrada. Como o Mestre - e mestres de outras denominações religiosas - agiria nesse caso? E em tantos outros casos nos quais nos relacionamos como estranhos. Ainda não aprendemos com aquele samaritano justo - vejam só, membro de um grupo étnico desvalorizado socialmente na época - ele que verdadeiramente acolheu o próximo que havia sido assaltado...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

O amor nos "grandes detalhes"

Li hoje que o amor está nos pequenos detalhes. Verdade. Mas grandes detalhes, também, são gestos especialíssimos de querer bem! Uma manifestação florida atravessou o oceano e me encontrou surpresa, neste domingo de manhã! Em seu vaso de água fria, laço vermelho, esses seres coloridos trouxeram-me pedacinhos de felicidade, provinhas de paraíso e de desejo. Amor comporta riscos e incertezas, claro. Mas, faz parte dos trechos mais doces de nossa caminhada. Obrigada meu querido remetente! Meu amor aqui expresso em palavras de gratidão!

Pode ser uma imagem de rosa, mosquitinho branco e texto que diz "mole dura to bat quec"

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Último dia do buquê

 Hoje foi o último dia do buquê!

Por uma semana coloriu a minha sala
Afagou-me o coração
Fez a destinatária faceira e toda prosa
Mil sorrisos diante da delicadeza.
Fez muito bem o que fazem os buquês
Ser sinal de bem-querência
De um lugar especial, uma importância
Junto a alguém.
Todo buquê é passageiro, claro!
Todo buquê é, também, um pouco mágico
Dá ao fugaz, um toque de perene
E à ternura do gesto, permanência.
A alegria e a surpresa da chegada
Ficam coladas na memória
E vão morar no coração.
Obrigada, doce remetente!
Pode ser uma imagem de rosa
Serge Henry, Morana Anne-marie e outras 40 pessoas
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