quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Reconhecimento das Ciências Sociais: mais do que competição por recursos


Na página do CNPq consta a manifestação das entidades das áreas sociais por inclusão de estudantes dessas áreas no Programa de bolsas Ciência sem Fronteiras (CsF), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Gerenciado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI) e pela Capes, prevê 75 mil bolsas no exterior nos próximos quatro anos, nas áreas de engenharia, tecnologia e biologia. O  Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) enviou carta ao CNPq nesse sentido. Segundo seu dirigente: "Hoje, em todas as áreas das ciências sociais, há grupos que trabalham com o desenvolvimento da inovação tecnológica, com fármacos, com novas energias ou com o impacto de problemas ambientais. Tudo isso faz parte da inovação". Para a presidenta da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que assinou a carta da Anpocs, é uma contradição pensar em desenvolvimento e enfrentamento à miséria sem as ciências sociais.
 
Desenvolvimento tecnológico envolve, sempre, opções sociais e políticas, assim como repercussões sociais e políticas, que por sua vez tanto incluem como excluem indivíduos, grupos, sociedades. Da mesma maneira, geração de ambiente propício à inovação envolve dimensões culturais, sociais e políticas e, portanto, vão além da base tecnológica e econômica de per se. O contexto social é, então, um dado fundamental na geração e difusão das inovações. Redes sociais são um componente chave do processo de produção de conhecimentos. Hoje, mais que nunca, é preciso desenvolver as chamadas tecnologias sociais, tanto para promover conhecimentos específicos sobre o contexto da ciência e da tecnologia - indicadores sociais de desenvolvimento, indicadores de impactos ambientais, indicadores de vulnerabilidade social, por exemplo - quanto para melhorar e mudar a qualidade das intervenções públicas na organização social. Justa e urgente, portanto, a reivindicação das entidades.


sábado, 22 de outubro de 2011

Orientação sexual de um filho

Uma pessoa amiga relatou-me que seu compadre, pessoa muito próxima, contou-lhe aos prantos que o filho de 22 anos lhe comunicara sua homossexualidade. Um choque do qual ele ainda não se refizera. É claro que não vivi a situação e não tenho a pretensão de saber exatamente o que deve ser feito, a boa solução em mãos. Mas, ao ouvir o relato veio-me à mente a pergunta sobre o que fazia aquele jovem na vida, se estudava, se tinha um emprego ou trabalho que lhe satisfazia, ou se caminhava para tal, se tinha uma boa formação, alegria, valores, enfim, se reunia as condições ideais de uma pessoa preparada para enfrentar a vida com autonomia, o que todos almejam para os filhos. 

Por que a opção sexual parecia tão devastadora e dissociada de outras qualidades pessoais? Há muitas razões, evidentemente. Lidar com as diferenças é difícil, não é natural, mesmo que não haja intolerância ou preconceito, como era o caso daquele pai entristecido. A socialização não ajuda. Por isso, uma grata surpresa foi redescobrir hoje um singelo livro infantil de minha filha, na forma de versos, que se propõe a mexer nessa ferida já entre os pequenos: Na minha escola todo mundo é igual, de Rosana Ramos e Priscila Sanson, da Cortez Editora.

No caso da homossexualidade, sabemos bem que preconceito pode gerar intolerância que, não raro, vira violência. Ela reduz quem a pratica a uma condição próxima da selvageria, de um ser bruto, tal qual o ser humano que é capaz de comemorar a morte de alguém. Isso, a propósito das comemorações pouco convencionais de líderes ocidentais quando sabem da morte de inimigos políticos, nestes tempos de "primavera árabe". Tempos de fronteiras morais confusas. Ou melhor, mostras de que as fronteiras morais dos nossos mundos são sempre confusas.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Momentos do Círio e da cidade

Por ter esticado um pouco mais da conta a noite anterior, acordei mais tarde do que eu gostaria para ir assistir a passagem da Santa e curtir a cidade no seu dia mais especial.  O "núcleo da Berlinda" já estava terminando de passar pela Praça da República quando eu saí de casa e cruzei os onze quarteirões até alcançar a Dr. Moraes com a Nazaré. Consegui chegar alguns minutos antes da imagem passar por aquele cruzamento. Não consegui ver os anjinhos e nem promesseiros levando os objetos de sua promessa ou gratidão. Mas, no caminho, ainda consegui curtir um momento que adoro, que é experimentar as ruas do bairro cheias, um cenário oposto ao vazio demográfico dos domingos de manhã por estas bandas. Uma sensação imperdível. Muita gente andando, indo ou voltando da procissão. Andar sem medo ou desconfiança. Gente sem pressa, em grupos, em famílias. Uma oportunidade especialíssima de contemplar a diversidade social de Belém, que no dia a dia é uma cidade cindida. Fossos de infraestrutura e de condições de vida separam seus moradores. 

Quando a Santa passa, muitos braços se levantam em sua direção e seguem-se as palmas, numa "orquestração sem chefe de orquestra" nas palavras de um sociólogo, Pierre Bourdieu. A emoção do momento é arrebatadora. 

Eu estava posicionada a uma meia quadra da Av. Nazaré. Portanto, era um lugar onde quase não se escutavam as falas e cânticos dos alto-falantes da procissão. Assim, mais impressão causava aquela uniformidade à distância, aquela enorme reverência coletiva. Quantos são os pedidos, as promessas, os agradecimentos e os diálogos íntimos que cada um dirige à Santa e a si mesmo naqueles breves e mágicos instantes!

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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Por um amor que partiu muito cedo


Esta postagem transcreve palavras de uma pessoa amiga, Ana Cleide, escritas para sua amada companheira que faleceu precocemente, interrompendo uma vida produtiva, plena de projetos e reconhecimento. Ana sofre a perda ainda recente e seu texto expressa essa dor aguda e, no momento, incurável. Mas, para além do sofrimento, suas palavras celebram a graça de um amor que se desdobrou em várias facetas de uma relação que vale a pena ser vivida, como o companheirismo, a amizade, as realizações comuns e as individuais, celebradas conjuntamente. Eis um trecho do poema que ela escreveu há alguns dias:

“Meu amor”/ “Minha vida”, era como nos chamávamos pública e intimamente. Em nossa casinha, em todos os lugares do Brasil e do mundo, onde quer que chegássemos, estávamos em ‘nossa casinha’, nossos corpos, onde morávamos juntas. Uma só estava no lar quando a outra estava ali junto. ‘Meu amor’ e ‘minha vida’ eram parceiras, companheiras, amadas,... amantes, amigas, colegas, sócias, namoradas, pesquisadoras, almas gêmeas, siamesas, taurinas, co-autoras, mulheres livres. Metade morreu. 

A Ana batalhadora que vejo pelos corredores da UFPA, sempre empolgada com o trabalho e com a vida, vai saber superar essa etapa da dor e fazer da saudade e da lembrança, a força para prosseguir em suas buscas, indagações, projetos e fazeres, para si e para outros com quem convive.

Rupturas e continuidades no reconhecimento político das mulheres

Dentre as justificativas para a  concessão do Nobel da Paz 2011,  o presidente do comitê, Thorbjöern Jagland apontou

'Não podemos alcançar a democracia e a paz duradoura no mundo a menos que as mulheres alcancem as mesmas oportunidades que os homens para influenciar o desenvolvimento em todos os níveis da sociedade'. 

Tem razão, claro, mas sob certo ponto de vista. Segundo o argumento, não se trata de questionar a fundo o  padrão de desenvolvimento, mas de igualar as oportunidades  de participar nele. Porém, justamente aí o argumento reforça as desigualdades entre homens e mulheres. Não se propõe a criticar o modelo de divisão sexual do trabalho que sustenta a ordem econômica. Ao contrário, o problema é dar condições para as mulheres participarem e, assim, se igualarem aos homens. E, de fato, são os homens que reúnem as melhores condições para operar nessa ordem, para se dedicar mais ao trabalho produtivo, à carreira, ao empreendedorismo e à empregabilidade , posto que eles são liberados dos cuidados com as pessoas, liberados das restrições culturais e socializados para agirem no mercado, a sacrossanta arena das liberdades. 

As mulheres, portanto, precisam ter acesso às oportunidades de adentrar no modelo socialmente valorizado, que é o da atuação na esfera pública, no nível da economia, da política, da cultura, da vida social em geral. Ocorre, porém, que o modelo funciona  porque a divisão sexual do trabalho e seus correlatos culturais asseguram que grande parte dos cuidados de que todos necessitam são assumidos no plano privado. Isto é, fazem parte dos atributos naturais da família e de seus membros mais talhados para a função, sobretudo as mulheres. Quando cuidados pessoais são realizados no mercado, além dos baixos preços atribuídos às funções pertinentes - exemplo, ensino infantil e fundamental, cuidados de saúe etc.  - também incidem aspectos delicados em certas situações, como a qualidade da atenção dada a pessoas idosas e doentes. 

Como construir uma organização social e econômica que efetivamente traga para o centro das atenções os cuidados com as novas gerações, com as pessoas em geral, especialmente com as pessoas mais vulneráveis, assim como as questões da produção e da vida plena para todos? Não como questões de mulheres, mas como questões políticas, de políticas públicas e de compromissos individuais e coletivos? Como fazer interagir de maneira mais dinâmica os papéis sociais de trabalhadores, de produtores e de cuidadores, aos quais todos nos dedicamos com maior ou menor intensidade em diferentes momentos de nossas vidas, sem que o exercício desses papéis seja fonte de desvalor, de subordinação ou opressão? A velha separação entre público e privado está aí para retirar de pauta boa parte dessas questões. Debates enviesados sobre custos previdenciários da maternidade e da paternidade muitas vezes esterilizam o significado social e cultural do que está em jogo: que sociedade queremos? que organização social e econômica? e o que queremos efetivamente que mude quando se reconhece os direitos das mulheres como direitos iguais?

Mulheres Nobel da Paz

As três ganhadoras do Nobel da Paz deste ano vêm de contextos onde além da democracia precária ou inexistente, a opressão da mulher é muito forte, o que se traduz nos déficits educacionais e de participação na vida social e política para as mulheres. Nesse sentido, em seu ativismo político, elas contribuem também para desconstruir os modelos culturais em suas sociedades e a desvendar os elos entre tais modelos e os sistemas econômicos e políticos.  Ellen Johnson-Sirleaf foi a primeira mulher a chefiar um país africano, a Libéria e, além de executar programas de educação especiais para mulheres, criou um tribunal para julgar casos de estupro. A assistente social Leymah Gbowee, também da Libéria, é mãe de seis filhos e reconhecida por seus esforços para o fim da segunda guerra civil no país, em 2003. Para tal, ela mobilizou mulheres cristãs e muçulmanas para a luta comum e incentivou-as a realizar as chamadas 'greves de sexo', rejeitando sexo com seus parceiros em busca de um objetivo. A terceira laureada - Tawakkul Karman - é iemenita, jornalista e mãe de três, diretora da organização 'Mulheres Jornalistas sem Correntes'. Há cinco anos lidera manifestações em prol dos direitos humanos e de poder para as mulheres, tendo sido presa por duas vezes. Nesses pequenos excertos de suas biografias, vê-se que elas ampliaram o horizonte da ação política.

As informações sobre as premiadas aqui apresentadas foram transcritas da página da BBC Brasil: As ganhadoras do Nobel da Paz.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Meu primeiro Mac

Vivi a transição entre a máquina de escrever - fiz curso de datilografia aos 16 anos, em um curso chamado TED ("tempo é dinheiro"!) - e o computador, o que me rendeu até hoje a facilidade de digitar com os dez dedos e poder, inclusive, conversar ao mesmo tempo em que digito. Devo isso ao TED. 

Assim, cedo me acostumei a escrever meus textos a lápis e depois datilografar. Que complicado era corrigir ou alterar um texto já digitado!  Inimaginável o corta e cola de hoje! Outro mundo! Além disso, eu não achava possível escrever um texto diretamente na máquina, mesmo a elétrica IBM, o suprasumo da rapidez na digitação, com fita corretiva, que começava a exibir incríveis memórias de várias linhas ou página inteira. A Olivetti competia com a IBM nesse mercado. Para mim, a primeira versão com o lápis e a borracha era uma etapa indispensável da criatividade. Não imaginava que bem pouco tempo depois essa ordem de trabalho seria suplantada pelas facilidades do editor de texto no computador.

Nessa época, final dos 80, essa linha de inovações maravilhosas que levaram da máquina manual às elétricas foi brutalmente interrompida. O computador pessoal começou a se popularizar. Não era mais restrito às grandes organizações e a conhecedores do sistema DOS, que parecia tão misterioso com suas profusões de palavras e códigos em uma tela escura. Lembro de quando prestei exame vestibular e fora advertida ao longo do ano pelos professores, sobre o cuidado que deveria ter ao marcar o cartão de respostas que seria lido pelos computadores, máquinas tão grandes quanto distantes.

O impulso extraordinário para a popularização foi dado com a interface amigável e o reduzido tamanho dos primeiros Macintosh, bonitinhos, fofinhos. Seus recursos visuais bem humorados e o fato de reunir na mesma caixa a tela e o motor, começaram a redesenhar nossa relação com o computador, com o trabalho e com a vida de uma maneira geral, pois iniciava então a grande alteração na distribuição do nosso tempo diário entre o trabalho e a vida pessoal. O computador entrou nas casas para ficar.

Enquanto estive na França, em cujas instituições de ensino o Mac conhecia grande expansão, não tive problemas de assistência técnica. De um lado, a máquina robusta praticamente não apresentava defeitos. De outro, colegas brasileiros da área da informática nos repassavam as últimas novidades. Outra característica de nossa era ia se firmando, a das inovações constantes e compulsórias, a exemplo dos anti-virus e das novas facilidades de programas. A dificuldade foi ao voltar para Belém, em que o número de usuários Mac contava-se em unidades. Quando meu primeiro computador começou a dar os primeiros sinais de cansaço, com cinco anos de vida útil, a peregrinação em Belém junto a técnicos conhecedores da marca não foi fácil. Por essa época, a Microsoft já conquistara o mercado com seus PCs, colhendo o sucesso da abertura do sistema Windows para diversos fabricantes, o que não acontecera com a Apple. A chave para a persistência no Mac era, então, o fato de que seu uso continuava muito mais fácil do que o PC e menos vulnerável aos vírus. Enfim, era uma questão de ser fã da marca. Quem estava habituado ao  seu sistema operacional achava irritante usar um PC. Até hoje uso um Mac. De vez em quando ainda peno para converter algum texto que recebo. Mas as vantagens superam esses probleminhas. E os sistemas hoje conversam muito mais entre si.

Em uma viagem ao Québec em 1997, tomei conhecimento de uma "associação de amigos do Macintosh", evidência de uma ligação à marca que ia além da funcionalidade ou gosto. Testemunho da singularidade e do gênio de Steve Jobs, uma aura que Bill Gates, seu maior concorrente, não conseguiu copiar, embora comercialmente a Microsoft tenha superado de muito a  empresa do antigo companheiro de invenções.


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