segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Visitas do Alcaide de Belém

Não pude evitar a surpresa ao deparar hoje de manhã na TV com uma propaganda do Alcaide ressaltando que ele está "visitando a comunidade, para ouvir seus problemas e buscar soluções". No caso de hoje, o bairro do Telégrafo. Ao fundo, as cenas de sempre de carinhos, afagos, mãos passadas nas cabeças alheias, escuta dos moradores ao pé do ouvido. Pergunto: visita é novidade que mereça propaganda na TV? E nada é dito sobre que soluções se vislumbra, quanto mais sobre algum plano de intervenções. Claro que na administração vigente, o princípio da participação demcrática para nortear políticas públicas não vigora. Melhor é a visita à "comunidade", caridosa, sensível, boazinha.  Nada que diga respeito a direitos e deveres. E pelo visto, esse tipo de visita parece algo raro, daí a peça publicitária. É preciso registrar o extraordinário.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Precário atendimento de urgência

A investida da imprensa sobre o episódio dos bebês mortos e a omissão de atendimento à mãe na Santa Casa foi impressionante. A despeito de "quem" sejam os culpados - inclusive a falha de gestão apontada pelos médicos - o depoimento dos funcionários na ambulância foram muito contundentes, indicando que a mãe não foi examinada para checar a urgência da situação.  Vale ressaltar a coragem da médica ao não se esquivar da imprensa, como frequentemente ocorre em situações do tipo. Contudo, são antigas  por aqui as reclamações de mães que procuraram hospitais públicos com o que lhes pareciam sinais de parto e não foram atendidas. Sobretudo, que foram mal atendidas. Para muitas, resta tomar um taxi (caro para a maioria que se encontra nessa situação) e voltar para casa ou buscar atendimento alhures. 

Um desfecho positivo, se é possível usar esse termo no caso, seria sacudir atitudes culturais arraigadas no atendimento a pessoas que dependem da saúde pública, tratadas rigorosamente dentro dos limites da gestão burocrática, ou dos recursos disponíveis para a área: não tem vaga, não tem leito, não tem ficha, não tem atendente ou especialista no dia marcado, remarque sua consulta (para daqui a alguns meses), mesmo se veio do interior etc. etc. De que tipo de apoio precisam as pessoas nessas horas? De que tipo de escuta e orientação?

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Viagens com Árvore da Vida

Achei um grande deleite o filme Árvore da Vida. Sendo um filme econômico em falas, dá margem para o espectador elaborar sua própria reflexão e atribuir sentidos, ao mesmo tempo em que segue a narrativa. Por isso senti o filme como se fosse uma viagem por temas que, no fundo, nos interpelam a todos. De um lado, o filme mostra flashes da vida de uma família de classe média em uma pequena cidade, ou subúrbio americano na década de 1950, através das memórias do filho mais velho, já adulto. Sua vida adulta, de profissional bem sucedido, passa-se em uma grande cidade da qual apenas se vê a uniformidade das fachadas em vidro dos edifícios, altíssimos, dando idéia de ambientes ascéticos, puramente funcionais, orientados para a racionalidade tecnológica e econômica. Nada mais é dito sobre o contexto. Nesse ambiente, ele reflete sobre a superficialidade da vida presente. Esse quadro urbano contrasta com o ambiente da sua infância, onde se desenrola a maior parte da trama, cheio de árvores, meninos brincando, cenas do lar, da mãe brincando com os filhos, escola, jardins, quintais, cachorros e gatos, beira de rio, uma aprazível quietude, as muitas lembranças marcantes da infância, inclusive o episódio da morte precoce de um amigo. Não aparecem muitas relações para além do círculo familiar.

De outro lado, viaja-se nas muitas imagens da Terra e do espaço, que vão da formação de células primordiais aos confins do universo. Músicas suaves convidam o espectador a se deixar levar e impressionar com a imensidão dos processos da natureza e, ao mesmo tempo, a pensar sobre vida, sobre tempo, o tempo cósmico e os tempos geológicos. A notar as passagens sobre os dinossauros - por vezes arrancaram risos na platéia - que se inscrevem nessa linha de enfoque sobre o tempo.  Gostei particularmente das sequências que focalizam vidas embrionárias. Nesse turbilhão, a trajetória de uma família e os laços com pessoas queridas, sobretudo as que se foram. Foi inevitável a pergunta: temos um lugar especial nessa arquitetura imensa, pelo simples fato de desenvolvermos a capacidade de interpretá-la, de nomeá-la e classificá-la dentro de complexos esquemas de valores? 

Esse conjunto de cenas são embaladas por falas curtas que a mãe dirigiu aos filhos, ou escutou de professores, sacerdotes, conselhos sobre amizade, amor, Deus, trechos de orações, trechos bíblicos e questões sobre nós outros, no cosmos.  Por vezes a música silencia e sons naturais de ondas e de erupções vulcânicas e solares completam a percepção da grandiosidade universal. As palavras da mãe são sentidas de forma mais aguda pelo fato de que, logo ao início do filme, um carteiro traz-lhe a notícia que o filho do meio (de três filhos) acabara de falecer, aos 19 anos. As perguntas que ela lança sobre onde ele estaria, as palavras que endereça ao filho em algum lugar, assim como as questões que o protagonista se faz, são temas muito humanos. Pode-se dizer que são temas universais no contexto das sociedades modernas, que "desencantaram" seus cosmos, notadamente através dos conhecimentos científicos e tecnológicos para perscrutar a natureza, mas não suprimiram as incertezas e as incógnitas.

É possível que o filme envolva elementos da biografia de seu realizador, Terence Malick, uma formação religiosa rígida, a relação tumultuada com o pai autoritário, envolvido em alcançar sucesso profissional como técnico em uma indústria, mas tendo sufocado uma vocação para música. E, de repente, desempregado. Sua figura é oposta à da mãe, lembrada como a amorosidade em pessoa. Imersa no cotidiano familiar e o amor aos filhos, ela se conecta com  dimensões profundas da existência.

Os ângulos de filmagem dos personagens são muito próximos dos rostos e dos gestos, de uma notável beleza. Mesmo que algumas vezes eu achasse que o filme estava demasiado longo, além da ausência de uma sequência claramente estruturada, ainda assim é uma grande viagem. Uma viagem exterior e interior, abordando questões e inquietações humanas com uma magnífica técnica.  Assim eu vi o filme.

sábado, 20 de agosto de 2011

Liberdade individual e eutanásia

O argumento central em um debate ao qual assisti sobre eutanásia, do ponto de vista legal, era de que não cabia ao Estado proibir, inserindo-se assim em uma esfera na qual cabe respeitar a liberdade da pessoa em escolher uma morte que considera digna, diante de uma situação que se afigura sem saída, no caso de uma doença terminal. O impedimento legal anula essa faculdade humana de decidir. Simplesmente proíbe. Uma das interlocutoras no debate considerava que, desde mantidos todos os meios possíveis de amparo à pessoa em tal situação, principalmente apoio psicológico visando convencê-la na direção de manter a vida, sua decisão de não prosseguir em uma batalha que vê como perdida, deveria ser respeitada. Lembrava a debatedora o caráter especialíssimo de uma tal decisão, contrária a um instinto básico humano, que é se manter vivo. Daí que, esgotadas todas as possibilidades de assegurar a um doente a continuidade de sua vida em condições que ache dignas de serem vividas, não haveria por que uma lei tomar a decisão, proibindo. Caberia a última palavra à pessoa, respeitando seu estatuto de sujeito. 

O debate, então, levou-me a concordar que não cabe a intervenção legal a priori. Mas, garantida a liberdade de decidir, essa marca da dignidade humana, surge uma questão: cessa então a responsabilidade do contexto? Da família, de outros próximos, das instituições de suporte etc.? Nessa linha, outras questões podem ser levantadas. Em que medida a percepção da perda de sentido da vida também é fruto do contexto, e não só do sofrimento individual? A percepção da pessoa de que a vida não lhe tem mais nenhum sentido, não interpela também esse coletivo? Abordagens puramente profissionais, por mais capacitadas que sejam, são apropriadas para lidar com tal situação limite? Quais os melhores argumentos a serem utilizados para convencer aquela pessoa? Não tenho resposta. Mas, o que eu pensei a partir do debate sobre eutanásia, é que há um perigo de que a necessária garantia de liberdade individual possa, ao mesmo tempo, relaxar a mobilização das pessoas envolvidas no drama e, portanto, levando a sobrecarregar com uma tomada de decisão quem está mais vulnerável. Mas, têm toda razão os debatedores de que aqui não se está mais no terreno legal e, sim, das relações, dos laços sociais e das visões de mundo em jogo. Inclusive, o que os próximos pensam a respeito da própria vida. Situação extremamente complexa.

Uma grande contribuição para se apreender melhor as dimensões humanas envolvidas nesse tema, é a leitura de Viktor Frankl, no livro Em Busca de Sentido. Ele argumentou que a melhor pergunta que se faz em qualquer situação não é o que esperar da vida, mas "o que a vida quer de mim". Nessa perspectiva, a atenção da pessoa é colocada fora dela, para uma tarefa, um sentido. Tendo sobrevivido a uma situação de quase absoluta sujeição aos condicionantes do meio, em que a possibilidade de escolher é praticamente zero, ele defende que o ser humano tem sempre uma capacidade de se elevar diante das condições. Nas suas palavras:
"Sendo professor em dois campos, neurologia e psiquiatria, sou plenamente consciente de até que ponto o ser humano está sujeito às condições biológicas, psicológicas e sociológicas. Mas além de ser professor nessas duas áreas, sou um sobrevivente de quatro campos - campos de concentração - e como tal também sou testemunha da surpreendente capacidade humana de desafiar e vencer até mesmo as piores condições concebíveis (...)

"O ser humano não é completamente condicionado e determinado; ele mesmo determina se cede aos condicionantes ou se lhes resiste. Isto é, o ser humano é autodeterminante em última análise. Ele não simplesmente existe, mas sempre decide qual será sua existência, o que ele se tornará no momento seguinte.  (...) uma das principais características da existência humana está na capacidade de se elevar acima dessas condições, de crescer para além delas." (152/3)
A leitura desse livro surpreende porque, para além da narrativa vivida de alguns elementos da "arquitetura da destruição" nos campos, ele por vezes conseguia se distanciar da condição de prisioneiro e pensava e atuava como psicoterapeuta, refletindo sobre a condição humana como se dava naquele contexto absolutamente opressor. Em certa medida, um contexto que guarda alguma semelhança com a opressão própria de uma situação em que se coloca a questão da eutanásia, uma doença ou limitação que praticamente elimina a capacidade da pessoa de agir, de interferir no seu destino. Para ler passagens do livro sobre o tema clique em LEIA MAIS,  logo abaixo.

sábado, 13 de agosto de 2011

Reflexões sobre fronteiras entre países

Como toda cidade, Ciudad del Este, do outro lado da "Ponte da Amizade" que liga Brasil e Paraguai, tem seus encantos e seu charme. Mas, para a maioria dos visitantes de curta duração, os encantos parecem resumir-se a um foco bem preciso: comprar, vender, trocar, barganhar, as funções de uma praça de mercado. O percurso a ser visitado resume-se a algumas poucas ruas; dependendo do tempo de que se dispõe, pode-se limitar apenas à primeira rua, que segue ao se atravessar a ponte. A vida cultural própria dos que lá moram e trabalham, não se apresentam ao visitante breve, como foi meu caso em julho passado.

Partindo de Foz do Iguaçu, pode-se chegar à Ciudad a pé, de carro, ou em ônibus urbano. Para quem mora longe de uma fronteira entre países, é uma surpreendente sensação atravessá-la assim, pegando um ônibus no ponto, como se vai ao outro lado da cidade visitar alguém, trabalhar, passear... Apesar do aperto do ônibus lotado, olhar aquele tráfego intenso, tantas pessoas cruzando a ponte, não pude deixar de pensar no que seria um mundo de fronteiras suaves, abertas à circulação de pessoas, de idéias, de costumes, de afazeres. Fronteiras permeáveis que, por isso mesmo, fomentariam trocas e sociabilidades sem anular as diferenças e as identidades culturais, ainda que não as deixassem imunes, como é próprio das culturas. Um mundo ainda mais perfeito se os passantes transfronteiriços circulassem livres de estruturas de exploração econômica, armadilhas nas quais tantos migrantes pelo mundo são apanhados, sem contar os preconceitos.

Passada a Ponte, salvo aqui e ali a visão de algum carro encostado com porta-malas aberto para fiscalização, a entrada na cidade era livre; pelo menos, nos limites da cidade, sem adentrar no território do país para além de uma certa distância, para o que era necessário procurar a agência de imigração localizada logo na chegada.

Então, minha primeira impressão em Ciudad foi uma gostosa sensação de entrar em um país assim, sem burocracia. Já na cidade, um grande burburinho, muito parecido com as ruas de comércio popular Brasil afora, apinhadas de gente. Ao longo da primeira avenida, uma verdadeira divisão de trabalho e de classes sociais. Nela localizam-se os muitos shoppings grandes, médios e pequenos, além de inúmeras barracas, coladas umas às outras, que disputam  alguns nichos de mercado (sobretudo roupas, cama, mesa e banho). Alguns shoppings super organizados, luxuosos mesmo. O trânsito de veículos é aparentemente caótico, com incontáveis vans, automóveis e ônibus. Entre veículos e barracas, incontáveis vendedores ambulantes oferecem uma miríade de produtos entre meias, bebidas, salgadinhos, pães, relógios, óculos, CDs e DVDs. A eles somam-se uns quantos jovens perguntando a quem desce do ônibus o que procuram, sugerindo lojas de eletrônicos, dispondo-se a acompanhar o cliente até o estabelecimento etc., etc.

Além da surpresa de quase só ouvir português, bem falado mesmo entre paraguaios, muitos falavam guarani. Tirando o guarani nas ruas e alguns tomadores de chimarrão, tudo o resto parecia igual: um grande entreposto de artigos chineses. Uma concentração de pessoas em torno dos importados, quase todas carregando suas compras nos inevitáveis sacolões quadrados de plástico. A divisão de classes também se expressava entre os compradores, muitos dos quais comprando produtos para revender nas "feiras do Paraguai" em cidades brasileiras.

Olhando assim, Ciudad parecia um não lugar: cidade sem qualquer identidade com sua região, ligada aos fluxos mercantis globais, apenas assentado naquele espaço físico. Nos shoppings, é claro, maior ainda a sensação de se estar suspenso dos vínculos culturais a um lugar. Na rua, a aparente desordem e as muitíssimas pessoas em busca de ganha pão com pequenas vendas indicam ao visitante tratar-se de uma zona comercial de país "em desenvolvimento". Pareceu-me uma visão de um típico elo periférico na "economia em rede". Pode-se comprar bem, fazer bons negócios com produtos baratos e variados; para muita gente, oportunidade de se abastecer em produtos para vender no Brasil,  embora com riscos conforme a severidade da fiscalização na alfândega. Mas, assim, não se chega a conhecer outra sociedade e outra cultura. Os contatos com as pessoas centram-se nos objetivos comerciais de ambas as partes. Apenas se experimenta, nesse turismo breve, uma função particular da economia de fronteira, um espaço específico das transações de nossa própria cultura global.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Encontro Mundial de Blogueiros

Através de uma das redes de que participo, soube da realização nos dias 28, 29 e 30 de Outubro de 2011, em Foz do Iguaçu, do 1º  Encontro Mundial de Blogueiros. Entre os muitos convidados estão o sociólogo espanhol Manuel Castells e os jornalistas brasileiros Luis Nassif, Hildegard Angel e Paulo Henrique Amorim. As inscrições podem ser feitas na página do evento: www.blogueirosdomundo.com.br.
Consta que há grande expectativa quanto à presença de Julian Assange, criador do Wikileaks, no encontro mundial.