sábado, 30 de abril de 2011

Educação e domesticação

Em uma reunião de pais de alunos das primeiras séries do ensino fundamental com a professora, em uma escola particular de prestígio na cidade, a mãe de um aluno "problema" em sala de aula saiu-se com uma fala que há muito não ouvia com tamanha clareza. Dizia ela que seu filho não seguia regras do tipo "agora é hora do recreio, agora é hora de fazer fila, agora é hora de ir escovar os dentes etc.", pois "meu filho não é domesticado e nem eu quero que ele seja". Logo me admirei com essa firme defesa da autonomia! Depois, pensei cá comigo  que essa mãe certamente fazia uma confusão entre seguir ordens e ser autônomo e criativo, entre obedecer e ser subalterno. Vieram-me à mente referências do tipo regras são controle e coerção mas, também, conhecimento, modos de convivência, capacitam a agir e a se relacionar com os outros... Mas, a convicção da mãe parecia muito arraigada. Aproximando-se a professora, a conversa tomou o rumo do problema comum das brigas entre alunos na escola. A mesma mãe então deixou claro não admitir que o filho fosse agredido verbal ou fisicamente por outro colega sem revidar na mesma moeda. Questionada por outras mães e pela professora, ela retrucou que no passado o filho agiu assim e que foi ele próprio chamado a atenção, em situações em que não tinha culpa. Daí a lição nova: "se apanhar, revide, não fique por baixo". 

Tem algo de selvagem, de rebaixamento humano na agressão, é claro. Mas, também, no reagir na mesma medida, mesmo que muitas vezes seja difícil não fazê-lo. A superioridade, a humanidade é, ao contrário, o auto-controle, que também é difícil. Assim, surpreende a clareza na expressão desse ideal de educação. Seu mérito é, sem dúvida, a ausência de hipocrisia. Lembrei-me do curso de direção defensiva que tive de fazer na renovação de carteira de habilitação. A tônica das aulas: jamais revidar farol alto pela frente ou por trás, buzinada, ultrapassagem perigosa, cortada, egoísmo em dar passagem, xingamentos etc. Uma tal "domesticação" dos motoristas bem que ajuda. Sobretudo, porque a cultura do não ficar por baixo ainda mora lá na quietude do lar e na paz da família. 

terça-feira, 26 de abril de 2011

Economia e participação popular: dois desencontros

Veio a público hoje a denúncia de Raquel Rolnik, relatora especial da ONU para a Moradia Adequada, de que autoridades de várias cidades que sediarão jogos da Copa, além das Olimpíadas de 2016 no Rio, estão desalojando e deslocando populações de maneira forçada, pagando indenizações insuficientes e sem preocupação com a realocação em condições dignas. A relatora fala em possíveis violações dos direitos humanos e lembra que a preocupação da entidade é que esses mega eventos deixem saldos positivos e promovam boas práticas de desenvolvimento. Segundo ela, falta transparência e os atingidos não têm voz. O roteiro é conhecido. Mas é bem interessante a atenção que esse programa internacional devota aos impactos sociais das obras. Geralmente, os holofotes apontam em primeiro lugar para as cifras e para os empregos gerados.

 Ao mesmo tempo,  em http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=55793, aprende-se que um grupo de "acionistas críticos" participou da Assembleia Geral dos Acionistas da Vale, na sede da empresa no Rio de Janeiro, dia 19 de abril de 2011. Os autores são membros da "Rede Justiça nos Trilhos" e mencionam "outros aliados da coalizão internacional dos Atingidos pela Vale”. Segue um trecho do texto:
"A crítica das entidades em representação das comunidades e trabalhadores atingidos focou no argumento de que todo esse elevado crescimento financeiro da empresa [200% o salto do lucro do ano passado para o atual] é uma moeda de duas faces e se dá às custas do sofrimento de muitos. Para exemplificar suas colocações, o grupo apontou para uma ampla série de pontos delicados".  Alguns desses pontos delicados se referem, é claro, à Amazônia. Um deles: "o povoado de Piquiá de Baixo, vítima há vinte anos da poluição do sistema mineiro-siderúrgico do Programa Grande Carajás, é um símbolo (conhecido a nível nacional e internacional) dos impactos gerados pela Vale na região. Urge o compromisso sério da Vale, com os investimentos necessários, para a efetivação do reassentamento das 350 famílias desse povoado, primeira e mínima medida de proteção". 

São dois exemplos de desencontro entre objetivos de desenvolvimento e populações  atingidas pelos efeitos adversos das intervenções, decididas e aplicadas a sua revelia. Nos dois casos elas não têm poder de barganha para usufruir, elas também, dos frutos do desenvolvimento. Portanto, desconsideradas como atores relevantes no processo. As reações - uma mobilização social e a cobrança vinda de uma organização internacional - podem levar a correções de rumos, o que é um avanço importante. A iniciativa dos "acionistas críticos" merece especial atenção. Eles cobram inovações na condução das assembléias de acionistas, de molde a favorecer a participação e a manifestação de críticas às linhas de atuação da empresa. 

Os números da economia são o que a sociedade faz deles.  Não há imperialismo dos dados econômicos de per se,  embora não pareça.  Eles também respondem a valores culturais e a relações políticas.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Aqui se trabalha

O Jornal da TV Liberal de meio-dia de hoje mostrou durante uma cratera que se abriu no fim de semana na Estrada do Aurá, em Ananindeua, deixando sem acesso ao transporte público populações de vários conjuntos habitacionais. Os entrevistados reclamaram do que consideram a má qualidade da rodovia, que cedeu a uma chuva forte, mas aparentemente dentro das proporções normais das chuvas na Região Metropolitana de Belém. Apenas às onze horas da manhã de segunda-feira chegou uma equipe para iniciar a recuperação, mas o trabalho foi logo interrompido e, uma hora e meia depois, só um tratorista estava no local. Ao lado da cratera as imagens mostravam placas da Prefeitura, nas quais se lia em grandes letras: "Aqui se trabalha". No contexto, com a cratera ainda "intacta", esses dizeres seriam risíveis, não fossem os transtornos dos moradores que já alertavam para a situação durante a noite, quando o medo da violência aumenta. Pelo ritmo dos trabalhos...

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Aposentadoria (2): desafios da transição

Ainda sobre aposentadoria, que tratei na postagem anterior, uma outra questão relacionada é sobre o sentido do trabalho na nossa vida, sobretudo quando resulta de uma escolha profissional, em sequência à formação escolar. Acho que a experiência da aposentadoria não é fácil quando aprendemos a vincular nossa identidade em grande medida à profissão. E, também, quando temos no trabalho a maior fonte de relacionamentos e de inserção na grande rede da sociedade. 

É preciso lembrar também que a ciência e a industrialização trouxeram uma mudança radical no estatuto do saber,  bem descrito por Max Weber em uma passagem de A ciência como vocação. Ele comenta as reflexões do escritor Leon Tolstoi sobre o sentido da vida de uma pessoa em um sociedade na qual há sempre mais e mais por conhecer e por produzir.

"... a vida individual do homem civilizado, colocada dentro de um 'progresso' infinito, segundo seu próprio sentido imanente, jamais deveria chegar ao fim; pois há sempre um passo à frente do lugar onde estamos, na marcha do progresso. E nenhum homem que morre alcança o cume que está no infinito. Abraão, ou algum camponês do passado, morreu 'velho e saciado da vida', porque estava no ciclo orgânico da vida; porque a sua vida, em termos do seu significado e à véspera dos seus dias, lhe dera o que a vida tinha a oferecer; porque para ele não havia enigmas que pudesse querer resolver; e, portanto, poderia ter tido o 'bastante' da vida. O homem civilizado, colocado no meio do enriquecimento continuado da cultura pelas idéias, pode 'cansar-se da vida', mas não 'saciar-se' dela. Ele aprende apenas a minúscula parte do que a vida do espírito tem sempre de novo, e o que ele aprende é sempre algo provisório e não definitivo..." (Ensaios de Sociologia, p. 166)

Não concordo com propostas sobre reformulação dos direitos sociais, aumento de idade de aposentadoria e outros temas relativos a redução de gastos em encargos sociais, que contribuiriam para reduzir o nível de emprego. Para muitos, parar de trabalhar é "começar a viver". Mas a transição produtiva é um grande desafio. É preciso reaprender formas de sociabilidade esquecidas, viver os momentos pelo que eles valem, reconhecer a graça de viver o tempo presente,  depois de tantos anos de ênfase na disciplina e nas virtudes de sacrificar o hoje em prol do amanhã.

Por outro lado, às vezes coincide o tempo de se aposentar com o fim do casamento, com a saída dos filhos de casa. Outras vezes são problemas de saúde que se apresentam nessa fase. Apoio psicológico, inclusive profissional, é uma enorme ajuda.

Tenho amigos e colegas de trabalho formalmente aposentados e produtivíssimos. Dentre estes, uma "diarista" blogueira. São pessoas alegres e, especialmente, gostam do que fazem, sentem o que fazem como importante para outros, compartilham um certo sentimento de missão em seu trabalho e estão cheios de projetos e empolgação. Muito bacana!

Aposentadoria: conquista e direitos

Três blogs que eu sigo, por coincidência na semana passada trataram de temas ligados à passagem do tempo: idade (envelhecer) e aposentadoria. São processos que se associam ora a aspectos positivos - amadurecimento e sabedoria sobretudo - ora a aspectos negativos - da perda de vigor à inatividade. De uma perspectiva jurídica e sociológica, a aposentadoria é parte das conquistas sociais da cidadania, instituída como direito apenas no século XX e de modo algum generalizada no planeta. Nos debates que se travaram sobre os direitos sociais em diversos países ao final do XIX, quando da segunda revolução industrial na Europa, reconhecia-se progressivamente a sociedade como um grande coletivo, orgânico, cujas partes diferenciadas cumpriam funções indispensáveis para o todo, especialmente as funções no campo da economia. Funções merecedoras, portanto, das proteções para aqueles que enfrentavam os riscos ligados ao seu exercício. Os debates políticos, as mobilizações de trabalhadores, os movimentos sindicais e socialistas e as lutas sociais em muitos contextos... todos colaboraram para que se concebesse a proteção social como encargo da sociedade, administrado primordialmente pelos Estados nacionais com uma parcela da riqueza social retirada do mercado. Como mostrou Robert Castel em seu livro As metamorfoses da questão social, o que até então tinha sido atributo da propriedade - ter um patrimônio era o principal seguro de vida - passava para a esfera da sociedade, na forma de benefícios previdenciários acessíveis aos não proprietários.  

A economia industrial, baseada na compra e venda de trabalho e na liberdade dos demais fatores da produção, isto é, terra, natureza e capital físico e social, não podia prescindir de alguma segurança para os trabalhadores, como meio de estabilizar a própria economia, que se urbanizava em escala crescente e tanto demandava quanto gerava enormes contingentes de mão de obra para recrutar. Assim, as primeiras categorias a receberem o benefício da aposentadoria geralmente eram aquelas ligadas a setores de importância estratégica no contexto tecnológico de então, a exemplo dos mineiros e dos trabalhadores do setor de transporte, notadamente ferroviário e portuário, ligados ao comércio exportador.

Então, trata-se, antes de tudo, uma história de conquista e de integração dos operários à sociedade na condição de cidadãos, na mesma sociedade dos "patrões" - alvo, portanto, do reconhecimento dos demais, embora ainda nos patamares mais baixos de prestígio social. Daí para a frente restavam a travar as lutas pela definição das idades para aposentadoria e dos montantes de remuneração adequados. E, tanto no nível coletivo como individual, alcançar condições favoráveis para entrar na categoria de aposentado, hoje embelezada pela expressão "melhor idade". Para a maioria, ela traz mesmo é uma redução de renda, o que é complicado quando se inicia uma fase de mais visitas ao médico e à farmácia.

Direito inquestionável, objeto de vivas polêmicas de categorias profissionais que se batem para reduzir a idade mínima e para diminuir as exigências burocráticas de acesso, a exemplo dos pescadores e trabalhadores rurais no Brasil, a aposentadoria é uma experiência forte. É como uma nova vida, que requer uma nova identidade. Para quem vive o trabalho como fardo, para quem "perde a vida ao ganhá-la", vem acompanhada de um sentido e liberdade, um verdadeiro começo de vida. Para donas de casa, assim como para trabalhadores rurais, é muitas vezes o começo de uma renda segura. Estudos realizados no Pará, pelo IPEA, elucidam o quanto as aposentadorias rurais contribuem para a economia de muitos municípios. Daí o perigo de se perder de vista a trajetória de conquista desse direito social ligado ao reconhecimento da dignidade fundamental do trabalhador. Pressões de mercado fazem com que vozes se levantem contestando os direitos como supérfluos, um peso para os números da economia. A história da instituição aposentadoria é um exemplo de que a economia é uma construção social.


domingo, 10 de abril de 2011

Discriminações na noite em Belém

Pela filha de uma colega de trabalho, soube hoje de uma prática comum em uma boite de Belém. Não sei se o mesmo se dá em outras do gênero, pois meu conhecimento da vida noturna na cidade é limitado. É uma boite considerada hoje um point de jovens da elite. A casa anuncia, como muitas outras na cidade, que as mulheres, se entrarem até uma certa hora não pagam. Já vi propaganda estendendo esse mimo a estudantes. Esse tipo de "discriminação positiva" é antigo e, na gozação, costuma-se falar que "mulher e cachorro não pagam". Até aí, tudo muito conhecido, herança de tempos em que as mulheres não tinham acesso ao dinheiro, mantida na atualidade por interesse de mercado. E, é claro, uma proteção bem aceita pelas beneficiárias, sobretudo em uma fase da vida em que geralmente a grana é curta, depende de mesadas ou da boa vontade dos pais em pagar a conta da balada.

Contudo, a dita boite inovou na proteção extra e, a meu ver, escorregou para uma discriminação. Para o ingresso gratuito das jovens até a hora determinada, há uma organização prévia, na forma de uma lista na internet, onde a interessada pode colocar seu nome de modo a facilitar a identificação na porta. Vale ressaltar que, caso ela não queira enfrentar a fila e correr o risco de esgotarem os lugares gratuitos, é sempre possível comprar ingresso, como fazem os frequentadores homens. Caso queira o benefício, a lista é recomendável. Mas, como a procura é grande, forma-se longa fila na porta, que permanece grande mesmo depois da hora limite para a gratuidade das moças. Aí, então, é que mora o perigo. Um grupo de rapazes bem vestidos seleciona na fila as moças consideradas "bonitas" e as convida a entrar por uma porta reservada, longe das vistas do público que se espreme do lado de fora. Imagino a sensação das não escolhidas, bem vestidas, maquiadas, animadas... ao serem preteridas por tal critério. Não é racial, não é de gênero, não é étnico. É pelo velho critério da "boa aparência" que costumava estampar tantos anúncios de emprego. Tudo muito sutil, discreto, segundo minha fonte. 

Talvez por inexperiência na noite belenense, a prática me deixou estupefata. Mais ainda por constatar que isso não incomoda tanto aos jovens clientes que vão gastar seu dinheiro em uma casa que, ao agir assim, não os respeita como pessoas. Discriminando a uns, atinge a todos pois cria um critério de separação totalmente arbitrário. Já não bastam as muitas seleções prévias na sociedade para que se possa chegar até ali, pagando ou se beneficiando da gratuidade oferecida. O critério de escolha das bonitas é pessoal, dependendo do "olho" dos funcionários que discretamente fazem seu trabalho. Um pouco de burocracia, com suas regras formais e impessoais seria um avanço, pois igualaria as oportunidades e faria valer o anunciado: até a meia noite, mulheres não pagam. Chegando-se depois, vale a outra regra, a do pagamento.

Por que um grupo de pessoas sensíveis não aciona judicialmente a casa por discriminação? Talvez o prestígio, a qualidade dos shows e, portanto, o privilégio de estar entre os eleitos encobre o senso crítico. Seus frequentadores aceitam as regras do jogo pois concordam quanto ao valor do que procuram. A reação teria de vir de fora, como acontece quando vizinhos interpelam casas noturnas por poluição sonora. Ainda bem que a noite de Belém tem outros charmes!

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Sobre o aniversário do meu pai


Embora eu tenha pensado este blog para reflexões sociais e políticas, para discutir temas atuais, não consigo resistir de falar do aniversário do meu pai, Dezinho, que chega agora (5 de abril), à felicidade de completar 80 anos. Tive a incumbência de selecionar algumas imagens de sua vida, para compor um slide show (agora moda nas festas). É uma tarefa difícil, sempre há o receio de deixar alguém de fora, ou de retratar mais a uns que a outros, de não ser justa na escolha. Meu consolo é que a seleção é sempre pessoal, reflete o olhar de quem faz, inevitavelmente parcial. E, assim, espero ser perdoada por minhas  eventuais lacunas e preferências. Teria sido melhor ter contado com outros parceiros nessa montagem, especialmente com meus dois irmãos, mas isso não foi possível devido aos  nossos (meus) "eternos" problemas de tempo, de agendas, etc. O meu mano mais velho mora no Rio e esteve dias atrás em Belém para a missa. Contudo, tive também uma mãozinha salvadora da minha filha.
Não é fácil escolher passagens de uma vida para apresentar em  minutos de uma festa. Mas o "critério" que orientou a seleção foi dado por uma característica própria do entrevistado. Da vida do Dezinho, como marido, pai, avô, tio, amigo, ressalta que ele soube ser uma pessoa cordial no sentido positivo do termo, uma pessoa alegre e, sobretudo, capaz de tecer muitos laços de amizade e de simpatia. Não me lembro jamais de tê-lo ouvido falar mal e alguém, ou nutrir maus sentimentos. Os problemas, as brigas que sempre há, não parecem ter deixado marcas ou mágoas continuadas. É, como se diz, uma pessoa da paz.
É claro que, conforme os próprios ciclos da vida, os contatos com os membros da grande rede que ele foi tecendo se reduziram em freqüência, por vezes em intensidade, de modo que se tornaram mais constantes com os que lhe são mais próximos. Mas suas características pessoais permanecem, por certo, no coração e na lembrança daqueles com quem ele conviveu e convive, com quem compartilhou momentos de alegria e tristeza, dividiu tempos de criação e de construção no trabalho, tempos gostosos de lazer – quando ele usava um adjetivo para as coisas boas - dizia que era “sexual!”. Aos 80, seu senso de humor permanece fino e certeiro, para alegrar quem está a sua volta.
Por isso, então, a seleção de imagens procurou registrar essa sua capacidade de criar uma rede de pessoas queridas, um privilégio! E, também, dar um especial relevo às memórias de esportista, jogador do Bancrévea, que chegou a projetar o basquete paraense no cenário nacional naqueles finais dos anos 1940. Quando, conforme palavras do próprio homenageado, ele era pivô do time com 1 metro e 70 de altura! Só sendo muito bom mesmo.
Por isso, finalmente, este momento é também uma oportunidade de agradecer a Deus por essa verdadeira graça de comemorar os 80 anos de meu pai. Essa celebração é um privilégio, reconheço. Num certo sentido, celebrar a vida, nestes tempos complicados, deve ser também uma obrigação.




quarta-feira, 6 de abril de 2011

Sobre 31 de março

Faço esta postagem inspirada por blogueiros que fizeram análises certeiras no dia certo (blogdoflavionassar.blogspot.com e yudicerandol.blogspot.com, por exemplo) sobre o "estranho" convite de militares para cerimônia do 47º aniversário da "revolução democrática" - o 31 de março. Há, também, a matéria de capa da revista Carta Capital esta semana, intitulada O Fantasma Fardado, questionando a atitude de militares em 2011. Por isso, é oportuno lembrar a história da brava Zuzu Angel que perdeu um filho assassinado em prisão nas dependências do Exército, em 1971.  Sua história foi retratada no filme de Sérgio Rezende. Lembro-me de uma passagem em que ela conversava com um militar no quartel onde procurava notícias do filho. Seu argumento baseava-se na civilização que os mesmos governantes diziam defender. Dizia mais ou menos assim: admitamos que meu filho fez algo errado; ele merece um julgamento normal, ter sua prisão decretada e conhecida, eu poderia vir trazer uma maçã para ele. Apontava inutilmente, para um oficial, a ilegalidade do regime que apregoava defender uma missão. A música que Chico Buarque fez quando de sua morte captou, antes de tudo, o sentimento da mãe à procura infinda:    Quem é essa mulher Que canta sempre esse lamento Só queria lembrar o tormento Que fez o meu filho suspirar (...) Só queria agasalhar meu anjo E deixar seu corpo descansar.
Aniquilar fisicamente opositores incômodos é prática antiquíssima, mas tende a ser contida com a emergência das democracias baseadas em direitos, notadamente em direitos humanos. Uma característica de regimes  ditatoriais é, precisamente, lançar mão desse recurso como política estatal e paraestatal, mesmo que oficialmente haja leis contrárias.
Outra característica de regimes ditatoriais é arvorarem-se em defensores da moral e dos bons costumes e, portanto, reprimirem fortemente os "desvios" culturais. Isso não ocorre mais no Brasil que envereda pelo caminho do reconhecimento multicultural e étnico. 
Não obstante, em 1 de abril deste mesmo ano, em Minas Gerais, membros de torcida manifestaram preconceito  contra um jogador de vôlei assumidamente homossexual. As cenas da partida na TV, quando se ouvem os gritos contra o jogador, ilustram um sentimento primitivo animando uma massa de espectadores.
No Brasil de hoje, espantam as manifestações de apreço a um regime de exceção, assim como espanta uma reação coletiva de puro preconceito. Parecem anacronismos, mas pelo visto não são.