sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Rupturas e continuidades no reconhecimento político das mulheres

Dentre as justificativas para a  concessão do Nobel da Paz 2011,  o presidente do comitê, Thorbjöern Jagland apontou

'Não podemos alcançar a democracia e a paz duradoura no mundo a menos que as mulheres alcancem as mesmas oportunidades que os homens para influenciar o desenvolvimento em todos os níveis da sociedade'. 

Tem razão, claro, mas sob certo ponto de vista. Segundo o argumento, não se trata de questionar a fundo o  padrão de desenvolvimento, mas de igualar as oportunidades  de participar nele. Porém, justamente aí o argumento reforça as desigualdades entre homens e mulheres. Não se propõe a criticar o modelo de divisão sexual do trabalho que sustenta a ordem econômica. Ao contrário, o problema é dar condições para as mulheres participarem e, assim, se igualarem aos homens. E, de fato, são os homens que reúnem as melhores condições para operar nessa ordem, para se dedicar mais ao trabalho produtivo, à carreira, ao empreendedorismo e à empregabilidade , posto que eles são liberados dos cuidados com as pessoas, liberados das restrições culturais e socializados para agirem no mercado, a sacrossanta arena das liberdades. 

As mulheres, portanto, precisam ter acesso às oportunidades de adentrar no modelo socialmente valorizado, que é o da atuação na esfera pública, no nível da economia, da política, da cultura, da vida social em geral. Ocorre, porém, que o modelo funciona  porque a divisão sexual do trabalho e seus correlatos culturais asseguram que grande parte dos cuidados de que todos necessitam são assumidos no plano privado. Isto é, fazem parte dos atributos naturais da família e de seus membros mais talhados para a função, sobretudo as mulheres. Quando cuidados pessoais são realizados no mercado, além dos baixos preços atribuídos às funções pertinentes - exemplo, ensino infantil e fundamental, cuidados de saúe etc.  - também incidem aspectos delicados em certas situações, como a qualidade da atenção dada a pessoas idosas e doentes. 

Como construir uma organização social e econômica que efetivamente traga para o centro das atenções os cuidados com as novas gerações, com as pessoas em geral, especialmente com as pessoas mais vulneráveis, assim como as questões da produção e da vida plena para todos? Não como questões de mulheres, mas como questões políticas, de políticas públicas e de compromissos individuais e coletivos? Como fazer interagir de maneira mais dinâmica os papéis sociais de trabalhadores, de produtores e de cuidadores, aos quais todos nos dedicamos com maior ou menor intensidade em diferentes momentos de nossas vidas, sem que o exercício desses papéis seja fonte de desvalor, de subordinação ou opressão? A velha separação entre público e privado está aí para retirar de pauta boa parte dessas questões. Debates enviesados sobre custos previdenciários da maternidade e da paternidade muitas vezes esterilizam o significado social e cultural do que está em jogo: que sociedade queremos? que organização social e econômica? e o que queremos efetivamente que mude quando se reconhece os direitos das mulheres como direitos iguais?

Nenhum comentário:

Postar um comentário