terça-feira, 7 de junho de 2011

Costumes e economia: ônibus, Belo Monte, Carajás...

Qualquer que seja o desfecho da disputa de tarifas de ônibus entre Belém e Ananindeua - de R$1,85 ou R$2,00 - são somas pesadas em uma Região Metropolitana em que pouco mais de 40% da população encontra-se na faixa de pobreza, segundo o IBGE. Dos usuários, uma boa parte, inclusive, toma dois ônibus para ir e dois para voltar do trabalho. Não se tem aqui o benefício de poder comprar um ticket de ônibus e dispor de um tempo para utilizá-lo em diferentes ônibus, desde que não se repita o mesmo percurso, prática comum em cidades européias e australianas. 

Uma das reações a essa carestia é usar a bicicleta. Embora ecologicamente correto, amigável, saudável, o mais das vezes não se escolhe enfrentar os buracos, o trânsito, a sinalização deficente, as ciclovias que de repente acabam. Enfrenta-se. Como entender as poucas reações organizadas em prol da reversão desse quadro? Em parte, a permanência desse padrão de transporte público caro e com ineficiências marcantes em conforto, informação, precisão de horários e paradas etc., deve-se ao costume. De certo modo, acostumamo-nos às desvantagens cotidianas, ao que sempre foi, na ausência de experiências mais variadas de usufruto de direitos e de movimentos de reivindicação. 

Há alguma relação entre tal acomodação e uma outra, a que leva  os "paraenses" a  acatar o  status desvalorizado de seu Estado no conjunto da federação? Sim. É uma outra manifestação do costume com a desvantagem social. Nosso grande Estado gera commodities e recursos estratégicos, como energia e minérios, além da madeira. E o que lhe fica  em troca - isto é, para o grosso de sua população? O que retém de royalties e compensações? Que paralelo há entre as mobilizações e lobbies relativos aos lucros do petróleo e os da mineração?

Nossa tradição histórica e cultural de membro menor da nacionalidade por certo ajuda. Ela se incorporou nos nossos habitus, modos de ser e disposições para  agir nos campos econômico e político,  para retomar os conceitos de Pierre Bourdieu. Somos formados para permanecer atores menores e, assim, aceitar as regras do jogo econômico e político prevalecente. Compreende-se, então, que no século da consciência ambiental, das mudanças climáticas e seus efeitos, perpetuem-se os termos desfavoráveis de intercâmbio que tiveram origens no sistema colonial. Ele interioriza  na sociedade local as chamadas externalidades negativas dos negócios, ao mesmo tempo em que exterioriza a parcela maior dos benefícios. Não é uma situação típica de dominação centro-periferia, que ultrapassa a capacidade de intervenção dos atores locais, sujeitos às vicissitudes da economia mundializada. Na manutenção dessa ordem, atores locais e regionais de destaque, lideranças políticas e econômicas, são protagonistas importantes, que reforçam as regras do jogo, ou não reagem à altura do bem público. E novamente o costume acomoda os horizontes ao que é visto como destino: precisamos do dinheiro de fora, dos conhecimentos e das práticas de fora, porque precisamos também dos bens e do estilo de vida dominante, no ritmo e intensidade que lhes são próprios. O que temos vale pouco. A desvantagem é natural.

Segundo o último recurso jurídico impetrado contra a hidrelétrica de Belo Monte os investimentos sociais, em saúde e educação por exemplo, são ínfimos em proporção aos investimentos no projeto em si. E na mineração?

As expressivas demonstrações contra o empreendimento (abaixo-assinados, petições, ações populares, manifestos, propostas alternativas... com atuação de muitas organizações e pessoas), têm sido fundamentais para arrancar  compensações e forçar consideração de direitos. A desinformação nacional quanto ao que se passa no dia a dia nestas plagas atenua as repercussões.

Petróleo inquieta e mobiliza mais longe que floresta, biodiversidade e direitos das populações diferenciadas que habitam esta região. Em relação ao primeiro, constróem-se acordos institucionais com repartição mais generosa dos frutos. E os demais? Até que ponto colaboramos para manter o status de subalternos? Isso, em um Brasil que de vez em quando se espanta com uma questão amazônica, como  agora no acirramento da violência no campo, quando ainda há recursos naturais a consevar e para os quais buscar usos mais sábios e duradouros.

2 comentários:

  1. Cristina,
    Você conseguiu tocar na raiz da baixa autoestima regional, que me parece entranhada nos nossos genes.
    Mesmos os mais esclarecidos, comportam-se como colonizados e torcem o nariz para o modo de vida da população local.
    A maioria de nossos representantes não zelam pelo bem público e muito menos para o bem estar da população. O público é apenas um meio de locupletar-se, de enriquecimento fácil. Alguns, inclusive, assim que galgam alguns centímetros na pirâmide social, tratam de se instalar fora do estado.
    O pouco caso, em vez de indignação e revolta, causa desânimo, cinismo ou pouco caso.
    Que posso eu fazer se só consigo falar?

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  2. Mesma coisa eu, caríssima. Obrigada pela visita.
    Beijinhos.

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