quarta-feira, 9 de março de 2011

AMAZÔNIA FRANCESA; TÃO PERTO, TÃO LONGE

O Brasil não conhece a África
mas a Àfrica sabe bem o Brasil...
Essas frases da música de Gonzaguinha vêm em razão de uma recente viagem que fiz a Cayena, junto com uma cara colega, Edma Moreira, para apresentar um trabalho em co-autoria com Jean Hébette, no Colóquio Patrimonialização e Desenvolvimento, promovido pela Universidade das Antilhas e da Guiana (http://www.colloque-patrimonialisation-guyane.com/colloque-Patrimonialisation-Guyane/Bienvenue.html). Desde os procedimentos iniciais para tirar o visto, quando constatei que brasileiros precisam de visto para entrar na Guiana, embora não para fazer turismo na metrópole, tive a impressão de que a maioria de nós, no Pará, conhecemos pouco, ou quase nada da vizinha Guiana, apesar das ligações históricas do passado. Por outro lado, aprendi que dentre os países que fazem fronteira com a França, é com o Brasil que ela divide sua fronteira mais extensa: 730km.

No entanto, muitos dos que lá vivem conhecem alguma coisa do Brasil, e da Amazônia em particular. Digo isso, em primeiro lugar, porque os professores com os quais conversamos quase todos tinham vindo mais de uma vez ao Brasil, para passear, fazer pesquisa, fazer compras ou participar de evento. A propósito, uma pesquisadora da área de Biblioteconomia na cidade de Cayena, que disse conhecer "Mosqueiro, Icoaraci, Belém, Manaus, estados nordestinos etc." fez uma reflexão peculiar sobre nós outros. Ela considera que os brasileiros têm uma maior integração ao ambiente natural, comparativamente aos seus conterrâneos, a exemplo a quantidade de frutas  regionais que se aprecia no norte e nordeste do Brasil, enquanto que em Cayena eles se voltam muito à França, consomem mais as coisas que vêm de lá e, portanto, não valorizam seus recursos naturais como nós, brasileiros, aparentemente fazemos. Mas, ela também vê uma analogia entre essa relação deles com a metrópole e a atitude "brasileira" de sobrevalorizar o que é do sul e sudeste do país. 

Em segundo lugar, há muitos brasileiros naquele território francês de além mar, imigrantes "legais" e "ilegais", assim como chineses, vietnamitas, surinameses, haitianos... a ponto de formarem grupos reconhecíveis. Os chineses visivelmente concentram inúmeras lojas nas ruas do centro comercial de Caiena. Os brasileiros, em sua esmagadora maioria amapaenses e paraenses, são comumente recepcionistas ou arrumadores em hotéis, garçons, ou atendentes em lojas. Trabalham também na construção civil. Na zona rural, são muitas vezes garimpeiros. Vi uma loja de compra de ouro em Cayena com inscrições em francês, português e duas outras línguas. 

Ao que pude perceber, a Guiana, sobretudo desde as duas últimas décadas, vem valorizando sua composição multicultural, pelo menos em discursos públicos. Assim consta no pequeno livro Guyane, l'incroyable guide, do Comitê de Turismo da Guiana (www.tourisme-guyane.com), que traz na sua primeira página: "Bem vido à Amazônia Francesa". O guia tem uma seção intitulada: "A incrível diversidade dos povos", fazendo referência aos ameríndios, aos Hmongs originários do Laos, e aos Bushenengués descendentes dos escravos revoltados , grupos aos quais correspondem tradições, uma arquitetura e um artesanato original. As seguintes linhas arrematam o texto: "Com seus 190.000 habitantes, a Guiana é um caleidoscópio de etnias, majoritariamente instaladas sobre o litoral, que dão um raro exemplo de concórdia e convivialidade". Belos  e importantes dizeres em uma conjuntura que é de inquitetude e embaraço por parte dos governos da União Européia frente às levas de migrantes que deixam a Líbia, o Egito e a Tunísia teimando em cruzar o Mediterrâneo em fuga dos problemas políticos; entre eles acha-se uma parcela de migrantes "econômicos", ao ver dos responsáveis políticos, pessoas que "aproveitam a oportunidade para ir trabalhar na Europa", dizem

É, portanto, pena a ausência de maior intercâmbio - comercial e cultural - entre os territórios que partilham a Amazônia, histórias com muitos pontos em comum, assim como diversidade cultural. Claro que há trocas, um contínuo vai e vem de populações, especialmente em busca de meios de vida, mas evidentemente sem a visibilidade do turismo de massa, oficialmente registrado. Entre Belém e Cayena são menos de duas horas de avião, mas há só um vôo semanal. No vôo que fizemos saindo de Macapá era grande o número de assentos vazios. 

É também pena que, assim sendo, não  haja estímulos ao turismo interregional, inclusive para aprendizado da língua francesa e, no caso, da língua crioula francesa. A propósito, uma das expositoras, professora da área de literatura, apresentou um programa recente nos diferentes níveis de ensino público em Cayena, que pretende introduzir nos currículos escolares conhecimentos sobre os povos que formaram a sociedade guianense, suas culturas, arte e história. Intercâmbios sobre experiências de valorização multicultural em áreas periféricas nos respectivos contextos nacionais, são muito oportunos.  Exemplo,  o reconhecimento dos territórios dos povos remanescentes de quilombos,  ou então as reservas de proteção ambiental com garantia de direitos aos habitantes tradicionais, importantes lá e cá. Essas experiências podem ser interpretadas como re-escrituras das histórias coloniais, desta feita a partir das realidades socioculturais locais.

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