terça-feira, 12 de junho de 2012

Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras

Um conjunto de entidades, lideradas pelo Movimento de Pescadores e Pescadoras do Brasil (MPP), lançou em Brasília nos últimos dias 4 a 6 de junho, uma campanha nacional para submeter ao Congresso Nacional um projeto de lei para regularizar seus territórios. O projeto de lei assegura seus direitos territoriais, em terra e nas águas, diante de um conjunto de forças contrárias, que vão desde pressões ambientais até a concorrência desleal com diferentes categorias de usuários dos recursos das zonas litorâneas e ribeirinhas, país afora, a exemplo da exploração mineral e da especulação imobiliária. Vale a pena prestar atenção e apoiar a iniciativa que agora entra na fase de recolher o número mínimo de assinaturas - 1.385.000 (um milhão trezentos e oitenta e cinco mil) - requeridas para uma lei de iniciativa popular. 

Se bem sucedida, pode transformar o perfil de crescimento econômico e de ocupação costeira no país, introduzindo esses agentes sociais nos debates sobre os destinos dessas áreas. A lei confere-lhes voz nesses processos e não apenas a opção de deixar suas terras em prol de usos mais valorizados. Como comunidades que muitas vezes têm um convívio de longa duração com as praias, os estuários, os mangues, as águas costeiras, os rios e os lagos, com práticas particulares de uso, sua emergência como sujeitos contribui também para salvaguardar a diversidade social e cultural que elas representam e, consequentemente, a diversidade econômica pesqueira no Brasil. 

Às vésperas da Rio + 20, o Brasil ainda ostenta sua longa lista de espécies pesqueiras sob pressão, seus múltiplos indicadores de sobrepesca, de pesca descuidada e a baixa qualidade de vida de grande parte das populações que dependem mais diretamente do pescado para viver. São resultados ligados à história recente de desenvolvimentismo do setor pesqueiro no Brasil, centrado no crescimento e na modernização tecnológica, que teve um grande marco na política de incentivos fiscais e creditícios para empresas de pesca nos anos 1960 e 1970. 

Nos anos 2000, em diferentes pontos do litoral brasileiro foram sendo criadas, sob demanda popular, unidades de conservação inspiradas no modelo dos seringueiros do Acre, liderados por Chico Mendes, as Reservas Extrativistas Marinhas. Nas suas áreas, protegidas pelo estatuto legal previsto no Sistema Nacional de Unidades de Conservação, teve  início a complexa construção de experiências de co-gestão territorial, com a participação notadamente dos moradores e usuários tradicionais dessas reservas, em conjunto com o Estado, através do IBAMA e do ICMBio, além de outros atores sociais importantes em cada contexto. Contudo, o modelo RESEX, conquanto importantíssimo e uma grande novidade do ponto de vista social e jurídico, verifica-se certa desaceleração na criação de novas reservas. Por outro lado, os direitos comunitários se restringem às áreas sob sua jurisdição, de modo que elas não garantem a segurança necessária às milhares de comunidades pesqueiras de norte a sul. 

Com a presente campanha, os pescadores artesanais - ou de pequena escala como se refere hoje a FAO - estão se tornando sujeitos políticos no Brasil, de uma maneira inédita. Conhecidos e reputados por seu "individualismo", "imediatismo na exploração dos recursos comuns", ou sua apatia política e fraqueza organizativa, além do rudimentarismo técnico, os pescadores e pescadoras engajados nessa iniciativa inovam em uma história marcada, antes de tudo, pela invisibilidade social.  Isso, apesar do papel social e econômico que sempre assumiram no abastecimento de pescado ao mercado interno no Brasil. E, também, a despeito de inovarem também com práticas de gestão ambiental que obtiveram reconhecimento do Estado, como ocorre com os Acordos de Pesca em lagos e rios na Amazônia. Marcados, também, por uma longa história de intervencionismo estatal nas suas organizações sindicais clássicas, as colônias, desde sua criação por iniciativa da Marinha na segunda década do século XX, até a Constituição de 1988 que consagrou a liberdade e autonomia sindical. Por seu posicionamento estratégico na linha de costa, as comunidades pesqueiras foram vistas como tendo um papel a desempenhar na defesa nacional e, durante muito tempo, as colônias foram organizações instrumentalizadas por elites locais que exerciam o comando em moldes clientelistas. 

Com a segurança do território onde moram e onde pescam, as comunidades passam a ser atores do território, com voz ativa nos destinos da zona costeira e não apenas resignando-se a sair de cena, em prol de grandes empreendimentos, ou de proprietários endinheirados da vista para o mar, ou a permanecer como acontece com os pobres em geral no Brasil, cidadãos de segunda, titulares de direitos sociais quase vazios. É lícito esperar que os pescadores e pescadoras reconhecidos em suas capacidades venham, de fato, a dinamizarem o chamado gerenciamento costeiro, estimulando o zoneamento econômico e ecológico quando necessário, assegurado seu lugar nos debates e nas disputas. 

Eis alguns trechos do relato do movimento sobre o lançamento da Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras  e os links para notícias: 

Com o lema Território Pesqueiro: Biodiversidade, Cultura e Soberania Alimentar do Povo Brasileiro, o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP deu início a coleta de assinaturas, para propor uma lei de iniciativa popular, regulamentando e garantindo o direito das comunidades pesqueiras sobre as terras e as águas. [...] A mesa de Lançamento com as presenças de representantes do MPP das regiões: Norte, Nordete, Sudeste,  e Sul apresentaram os problemas regionais e os fundamentos da campanha. Ainda fizeram parte da mesa o Secretário Geral da CNBB, Dom Leonardo, a Secretaria Adjunta da SPU Louise Ritzel, o Deputado Federal Pedro Eugenio, Ministro da Pesca e Aquicultura Marcelo Crivella e representantes dos movimentos que compõem a Via Campesina. Durante o lançamento os pescadores explanaram sobre as problemáticas e potencialidades existentes em cada região, de modo a justificar a Campanha.
Links:
Globo Rural
TV dos Trabalhadores
Rádio CBN
Revista pesca e Companhia
Caritas
O Estado de Minas
blog: www.peloterritoriopesqueiro.blogspot.com

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