terça-feira, 7 de março de 2017

Tentando aprender


O Evangelho deste domingo (Mt 4,1-1) trata das tentações de Jesus no deserto. O diabo o convidou a transformar pedras em pão e Ele respondeu: "Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus". 
2017 anos depois, quanto ainda limitamos nossa vida à matéria! Por isso, buscamos garantir de modo egoísta os bens da sobrevivência imediata. Por isso o medo! Medo de perder, medo de faltar... Então, acumular é a palavra de ordem. Mesmo quando a tecnologia multiplicou nossa força produtiva em escala inédita, temos medo. Se tivéssemos clareza de que o acesso aos bens - ali representado pelo pão - passa pela partilha, pelas regras de com-vivência, ao mesmo tempo que estaríamos provendo o pão de cada dia, estaríamos também produzindo e repartindo esses outros significados do nosso trabalho. É o que o texto de Mateus refere como "a palavra que sai da boca de Deus". 
Mesmo ateus sabem que as escrituras das religiões referem a uma vida plena, falam de força interior, de nossa capacidade de construir o destino último para o qual fomos criados já aqui e agora. Afinal, por que somos seres inteligentes e criativos? A fala de Jesus nega o mundo de medo ao qual estamos presos. Mundo assombrado pela escassez! Construímos economias de escassez. E, assim, respondemos mal aos desafios decorrentes dos eventos climáticos, das desigualdades, das doenças, dos ciclos e das incertezas da natureza etc. Respondemos com cercas, privilégios, matemáticas pobres, fechamentos, guerras, fronteiras... enfim, controles que geram mais carências e medo. Investimos energia criadora em exclusivismos e não em saúde e educação para o maior número. O fantasma da escassez e a lógica da vida só pelo pão - orientada para os bens e seu acúmulo - nos governam.
O diabo convidou Jesus a dominar os reinos do mundo e sua glória, assim como a ordenar aos anjos lhe salvarem de uma queda morro abaixo. Ele nem prestou atenção!. Essa é uma incrível representação de Deus, do Ser Supremo. É um Deus que liberta! Não assume o lugar que definimos como próprio da realeza, isto é, o lugar do poder. O poder do qual emana Jesus veio desde o início indicando que todos, desde o mais pequeno e frágil, são amados e considerados e, portanto, sagrados. Escolhemos o mal, não somos maus por natureza! Aprendi na homilia (penso ter aprendido) que teologicamente isso significa que não somos a fonte do mal. O mal vem de fora, escolhemos em liberdade aderir ao mal, mas não viemos com "defeito de fábrica". Não somos escravos do inconsciente ou das circunstâncias. Como seres humanos, cedemos à tentação do poder e, portanto, à tentação de dominar o outro, de nos impor... mas não somos intrinsecamente isso. O verdadeiro Reino não só relativiza os poderes daqui, como mostra que o poder verdadeiro não escraviza, não submete e não exclui... O poder que Ele dizia era o do Senhor Deus, o único a quem devemos prestar culto. É um culto libertador das amarras que construímos e reproduzimos há milênios, com mudanças próprias de nossa caminhada histórica. O que Jesus dizia ao diabo naqueles desertos, continua nos falando hoje de quem somos, de quem podemos ser, sendo a espiritualidade uma fonte de força inesgotável, água viva, ainda por explorarmos de modo pleno.

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