Em seu tempo, a pílula anticoncepcional foi saudada como grande fator de libertação das mulheres, conferindo-lhes um controle inédito sobre sua vida reprodutiva e sexualidade. Contudo, essa novidade extraordinária, cultural, científica, tecnológica, mantinha a dominação masculina nessa esfera da vida, a tradicional divisão de trabalho que faz recair sobre as mulheres os maiores ônus do planejamento e do controle da natalidade.
No caso da pílula, são elas que assumem sós os efeitos colaterais possíveis da sua administração por longo tempo. No caso da esterilização, a laqueadura de trompas é uma intervenção cirúrgica mais complicada que a vasectomia masculina, mas a primeira predomina numericamente. Essa prática se ajusta à visão naturalizada de que a contracepção é, em primeiro lugar, assunto de mulher. Aliás, para muitas pessoas a própria concepção é assunto principalmente da mulher, como mostram as taxas de mães solteiras sem parceiro conhecido e os abandonos de bebês em que só se tem notícia da mãe, a grande culpada.
A vigência de tais valores evidenciam-se em esferas públicas, na carência de creches e outros equipamentos coletivos na maioria das cidades brasileiras, estruturas que facilitem a conciliação entre trabalho e maternidade, especialmente para mulheres de baixa renda. É certo que a lei procura trazer equidade a essas relações, mas a força dos costumes ainda manda nas atitudes e na definição de políticas públicas e privadas. Ainda manda na tolerância que se tem com as dificuldades cotidianas que mulheres pobres enfrentam nos postos de saúde em busca de cuidados para os filhos pequenos. Ou na prática de compra de votos femininos com esterilização, cada vez mais rara, felizmente.
As mulheres no Brasil e em outros países conquistaram autonomia que gerações passadas desconheciam. Deixaram de ser sujeitas aos ritmos das suas muitas gestações, ou de suas irmãs cujos filhos tinham de ajudar a cuidar, ou ter de casar com o primeiro namorado para abafar a vergonha da família e o incerto futuro como mãe e pai ao mesmo tempo.
Uma médica que atende adolescentes opinava estes dias que se a pílula fosse boa, sem efeitos, certamente já se teria inventado uma pílula para homens. Admirava-se ao constatar como as namoradas de hoje se submetem aos papéis tradicionais em matéria de relações sexuais, arcando com os maiores custos da contracepção. Equidade, responsabilidade compartilhada, nada disso. No início da vida adulta, elas aceitam geralmente de bom grado o lugar convencional, enquanto perseguem seus projetos e sonhos, que podem ser os mesmos dos namorados, pois os direitos são iguais. Mas as preocupações e providências para evitar filhos precoces não são iguais. Elas transam sem grandes culpas e experimentam a liberdade sexual sem mexer no script.
Os métodos contraceptivos temporários considerados mais incertos e arriscados, o preservativo e a tabela, são também os que induzem à partilha mais equilibrada da responsabilidade entre os parceiros. Planejamento, autocontrole e sensibilidade um para com o outro são mais necessários quando se lança mão deles. São atitudes, portanto, que questionam mais a fundo os padrões comportamentais que se acomodam à pretensa sujeição das relações sexuais aos ditames da biologia. Pelo menos nesse aspecto são mais avançados do que a pílula e os outros métodos centrados na mulher. Cultivam novas atitudes.
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