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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Medo, preconceito e deixa estar o social

Essa frase é muito boa para pensar: O que se opõe à fé não é o ateísmo, mas o medo. O medo paraliza e isola as pessoas das outras pessoas. É de Leonardo Boff, em entrevista que consta no seu site. 

Na nossa cidade, conhecemos o medo que isola as pessoas. Se não se cruzar diretamente com a fonte do medo, basta abrir o jornal. Esse medo também paralisa, embota a vontade e a criatividade. Um efeito mais grave é que ele reacende preconceitos e fomenta apartheids que não cabem mais na civilização dos direitos humanos e universais. Mas, no caminho que vamos trilhando, reforçamos o egoísmo como característica principal da organização social. E perde-se a fé na possibilidade de mudar essa organização, reformando o contexto. Assim, em Belém por exemplo, corre solta a expansão imobiliária orientada só pelos padrões do mercado, sem orientação coletiva ou visão da cidade como bem público das gerações presentes e futuras. A cidade cresce sob a lógica do cada um por si, conforme o que se tem, o que explica o desconhecimento do plano diretor

Reagir coletivamente contra as fontes do medo parece impensável, tarefa inalcançável. E vai-se levando a vida, assistindo a propagandas de carro ou de bens de consumo fazendo de conta que não se sabe que não podem ser usufruídos como estão sendo mostrados. Ou planejando o programinha de lazer do fim de semana, torcendo para que saia tudo bem, tantos são os riscos... A grande fonte do medo, a desigualdade geral e duradoura, inscrita no modelo que consagra o usufruto de uns - indiferente à privação de tantos outros - essa fonte vai sendo mantida. E seus efeitos, sofridos ou pensados em silêncio. Mas, com certeza, pesando no coração de cada um. 

Como introduzir a fé? Uma fé mobilizadora, estimulante da ação coletiva, da reação contra essa vida presa, frente a qual o sentimento geral é de impotência e de falta de sentido? Concordo que tradições religiosas que pregam a centralidade do amor ao próximo, do perdão, do sair de si e dar ao outro, lições sempre válidas, têm cada vez mais um lugar no conjunto de esforços para construir o "céu" neste mundo. Sobretudo, pelo amálgama que essas mensagens propõem entre o individual e o coletivo, entre a pessoa e sua sociedade, uma não se opondo à outra, uma precisando da outra. Mudar o mundo não dispensa mudar a si, tentar ser uma pessoa melhor. E, cada vez mais, as religiões expressam a noção da interdependência e interpenetração entre sociedade e natureza, revertendo a antiga hierarquia que representava os humanos no topo da criação e a natureza a seu serviço.

As perspectivas religiosas fertilizam a busca do genuíno interesse próprio na realização do interesse comum. A espiritualidade, portanto, contribui na construção do mundo novo, promessa aberta e cada vez mais possível nos dias de hoje. Meios materiais e intelectuais, pelo menos, não nos faltam.

 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

2013. Fios de esperança se renovam.

No Natal, na virada do ano, somos pródigos nos votos que dispensamos aos que nos são mais queridos, seja na família, no trabalho, no nosso local de moradia e mesmo a estranhos. Parece que a época faz relembrar nossa limitada capacidade de intervir sobre o futuro, por mais que se tenha riqueza e poder - afinal, uma doença pode estar à espreita, um acidente, um ato de violência, um amor que se vai... Portanto, nessa fragilidade essencial diante das incertezas e riscos, creio que somos na maior parte das vezes sinceros nos desejos que expressamos uns aos outros nestes dias. Não é só regra de cortesia. Mesmo que por instantes, somos genuínos na consideração pelos outros com quem dividimos a viagem da vida, no breve tempo que nos é dado viajar.

Apesar disso, como se deixar levar de coração leve pelo clima festivo e generoso se olhamos com um mínimo de atenção ao contexto social? De cara, a pobreza em meio à opulência rouba os direitos da maioria, explode em violência e corta a expectativa de vida e a possibilidade de esperança nos dias melhores para essa maioria. E não conseguimos emplacar projetos abrangentes para reverter esse curso inexorável da vida que é o oposto da generosidade. 

Mas, mesmo assim, o fiozinho de esperança fica, resiste e se renova todos os anos - que teimosia! Ele se expressa nos atos de tantos que agem em favor do próximo, na construção de um outro mundo. E é perceptível em mensagens como estas:

"O ano será novo se, em nós e à nossa volta, superarmos o velho. E velho é tudo aquilo que já não contribui para tornar a felicidade um direito de todos. À luz de um novo marco civilizatório há que superar o modelo desenvolvimentista-consumista e introduzir, no lugar do PIB, a FIB (Felicidade Interna Bruta), fundada na economia solidária e sustentável. [...]
Se o novo se faz advento em nossa vida espiritual, então com certeza teremos, sem milagres ou mágicas, um Feliz Ano-Novo, ainda que o mundo prossiga conflitivo; a crueldade travestida de doces princípios; e o ódio disfarçado de discurso amoroso". (Frei Betto, Feliz Ano Novo. Texto disponível em http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=73023. Acesso em 2 de janeiro de 2013).

E, em especial, nas mensagens do aniversariante de 25 de dezembro, há mais de dois mil anos. Uma delas foi resumida pelo Apóstolo Paulo em sua Carta aos Gálatas: "Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre, entre homem e mulher..." De fato, nesse referencial as desigualdades cediam lugar à condição de filhos e, portanto, de herdeiros de Deus, característica de todos. Por isso, arrematava ele: "Não nos cansemos de fazer o bem; se não desanimarmos, quando chegar o tempo, colheremos".


segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Momentos do Círio e da cidade

Por ter esticado um pouco mais da conta a noite anterior, acordei mais tarde do que eu gostaria para ir assistir a passagem da Santa e curtir a cidade no seu dia mais especial.  O "núcleo da Berlinda" já estava terminando de passar pela Praça da República quando eu saí de casa e cruzei os onze quarteirões até alcançar a Dr. Moraes com a Nazaré. Consegui chegar alguns minutos antes da imagem passar por aquele cruzamento. Não consegui ver os anjinhos e nem promesseiros levando os objetos de sua promessa ou gratidão. Mas, no caminho, ainda consegui curtir um momento que adoro, que é experimentar as ruas do bairro cheias, um cenário oposto ao vazio demográfico dos domingos de manhã por estas bandas. Uma sensação imperdível. Muita gente andando, indo ou voltando da procissão. Andar sem medo ou desconfiança. Gente sem pressa, em grupos, em famílias. Uma oportunidade especialíssima de contemplar a diversidade social de Belém, que no dia a dia é uma cidade cindida. Fossos de infraestrutura e de condições de vida separam seus moradores. 

Quando a Santa passa, muitos braços se levantam em sua direção e seguem-se as palmas, numa "orquestração sem chefe de orquestra" nas palavras de um sociólogo, Pierre Bourdieu. A emoção do momento é arrebatadora. 

Eu estava posicionada a uma meia quadra da Av. Nazaré. Portanto, era um lugar onde quase não se escutavam as falas e cânticos dos alto-falantes da procissão. Assim, mais impressão causava aquela uniformidade à distância, aquela enorme reverência coletiva. Quantos são os pedidos, as promessas, os agradecimentos e os diálogos íntimos que cada um dirige à Santa e a si mesmo naqueles breves e mágicos instantes!

http://www.orm.com.br/

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domingo, 19 de junho de 2011

Mensagens de uma festa de casamento

Ontem, durante uma festa de casamento, um amigo dos noivos fez uma fala na qual leu um poema que consta da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios. É o texto "Acima de tudo o amor". Independentemente de fé religiosa, vale sempre a pena deixar-se seduzir por aquelas palavras. Por curiosidade, então, consultei o texto. Os organizadores da Edição Pastoral da Bíblia, que possuo, lembram que as cartas de Paulo são documentos complexos, com muitas dimensões e mensagens a serem apreciadas. Sem entrar no mérito da fé e ciente de minha ignorância em matéria teológica, reflito aqui sobre apenas algumas das mensagens que o texto encerra e que são "boas para pensar" em qualquer tempo, mesmo fora do campo religioso. É num sentido não religioso que estou refletindo aqui.

Dois temas ressaltam logo no início da carta: subversão das hierarquias sociais e relativização dos saberes oficiais. Assim, referindo-se ao espírito que animava o anúncio do Evangelho, Paulo indicou a vã pretensão de se considerarem superiores aos demais, aqueles reputados como detentores privilegiados dos conhecimentos e da sabedoria do mundo, bem como os mais fortes. 

"Entre vocês não há muitos intelectuais, nem muitos poderosos, nem muitos de alta sociedade. Mas, Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte. E aquilo que o mundo despreza, acha vil e diz que não tem valor, isso Deus escolheu para destruir o que o mundo pensa que é importante". (Coríntios 1-2) 

A loucura referia-se àquele saber que não era o reconhecido e institucionalizado: "Minha palavra e minha pregação não tinham brilho nem artifícios para seduzir os ouvintes, mas a demonstração residia no poder do Espírito, para que vocês acreditassem, não por causa da sabedoria dos homens, mas por causa do poder de Deus". Tratava-se de um saber engajado na promoção humana, mobilizador das pessoas para o crescimento conjunto. Um saber generoso, portanto. Esse ponto reaparece no poema sobre o amor, quando dizia que conhecer sem amar era inútil: "Ainda que eu tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência, ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de transpor montanhas, se não tivesse o amor, eu não seria nada".

A conversão de que ele falava produzia uma força interior que tornava o sujeito autônomo perante as forças do meio, como expressa a frase : "... o homem espiritual julga a respeito de tudo, e por ninguém é julgado. Pois, quem conhece o pensamento do senhor para lhe dar lições? Nós, porém, temos o pensamento de Cristo". É uma extraordinária afirmação do poder da pessoa como sujeito, capaz de se transformar interiormente e agir em conformidade com essa força, transformando o contexto social em benefício da maioria. A maioria aqui não oprime o sujeito, mas parte dele, justamente de sua elevação. Tem-se aí, também, a inversão da polaridade força e fraqueza. Por mais fraca, pequena, desprovida de reconhecimento social que fosse a pessoa, abrir-se ao que vinha do "Espírito de Deus" tornava-a integral, plena, engrandecida. Por outro lado, Paulo diz que esteve pregando entre os Coríntios "cheio de fraqueza, receio e tremor", sem o brilho e os artifícios que facilitariam a sedução do público.

A carta exprime sabedorias que atravessam os tempos e sempre conseguem dizer algo novo ao leitor, religioso ou não. Essas palavras antigas têm um frescor próprio dos grandes textos e dos grandes autores. 

Ele abordou o tema da limitação dos saberes oficiais, da ciência instituída. E, portanto, de certo modo convidava a olhar para saberes outros, populares, desprovidos de prestígio e consideração. Não falou propriamente em diálogo entre saberes, mas acho que a idéia do diálogo encontra legitimidade em seu texto, pela ênfase no reconhecimento. Para ele, os pequenos do mundo estavam como que mais prontos para a nova visão que elevaria a todos. 

Arrisco dizer que essas reflexões enriquecem um tema contemporâneo, que é a degradação ambiental. As palavras da carta convidam a relativizar os saberes e as práticas dominantes e a compartilhar e trocar conhecimentos científicos com populações locais (indígenas, comunidades pesqueiras e camponesas...) no trato com seu meio. E, assim, a colocar em relevo os direitos ao território e aos meios de vida, condição para o para o diálogo de saberes na busca de melhores modos de gestão ambiental. Obviamente, uma discussão bem distante do texto original que, ademais, toca em muitas outras questões.