domingo, 22 de setembro de 2019

Machões são homens incompletos


Brasil ocupa o quinto lugar no ranking de violência contra a mulher. Parece haver um ódio contra as mulheres. É um fruto da cultura machista e patriarcal, na qual há vontade de controle e dominação sobre as mulheres. A violência se dá por ciúme, ressentimento, incapacidade de aceitar o fim do relacionamento, de ouvir um não, vontade de usar o corpo, sentimento de posse etc. Em suma, uma enorme dificuldade de enxergar a mulher como pessoa, com livre arbítrio e autonomia.

Em parte, a violência contra a mulher tem algo a ver com a formação do Brasil, muito marcado por subjugação de categorias à margem da “boa” sociedade – indígenas, escravos, minorias, negros, caboclos, favelados, migrantes... E as mulheres aí foram duplamente subjugadas! Essas categorias ficaram meio invisíveis, não vistas como pessoas plenas, com direitos e deveres. Mesmo hoje, por exemplo, aceitamos que os pobres no Brasil paguem proporcionalmente mais impostos que os ricos e desfrutem menos da riqueza comum em serviços públicos e proteção social. É nossa estrutura tributária regressiva que toleramos sem maiores problemas. A subjugação do outro contamina as relações independente de classe social. O preconceito está em toda parte. 

Já que nunca assumimos plenamente essa herança histórica e social de desigualdades, ela segue minando a construção da nossa cidadania em pleno século XXI. 

Agora, para enfrentar nossos elitismos, racismos, meritocracismos, machismos, exclusões... precisamos reconhece-los e entender o mal que nos fazem. Se não enxergamos os outros em sua inteireza, é porque também não enxergamos a nós mesmos como pessoas completas. Então, desenvolvemos uma falsa ideia de poder! É assim: eu não me basto, por isso recorro ao outro e me aposso do que nele me interessa e penso que falta em mim. Diminuo o outro porque também sou uma pessoa pequena. No Brasil, nós não desenvolvemos bem a noção de limites individuais, própria da cidadania liberal lá do século XVIII. Menos ainda entendemos o conceito cristão de ser humano!

Então, o fator da violência que se manifesta nas relações entre os sexos está de certo modo presente em tudo o que faz do Brasil um país violento, a despeito de toda a modernização. A violência tem raiz na nossa formação como sociedade de dominantes e dominados. Desenvolvemos, assim, uma visão truncada de nós próprios e de outros, que nos faz enxergar outros como seres à disposição. Resultado: discriminações de toda ordem! Pensemos, por exemplo, no pedestre com dificuldade de locomoção que precisa atravessar certas ruas nas grandes cidades brasileiras. Eles vivem o nosso “se vire” de cada dia! Não o “pão nosso” de cada dia! Um olhar que não enxerga o outro, ou diminui o outro, é um olhar de pessoa carente. Não me vejo pleno e muito menos vejo os outros plenos, sobretudo quem é mais fraco que eu. Preciso controlar aquele que vai me preencher.

O machismo é uma forma de poder e, ao mesmo tempo, prova da incompletude que muitos homens sentem. Então, querem dominar a mulher para se sentirem um pouco mais inteiros. Não a tendo por livre e espontânea vontade, usam, abusam, coagem, batem, até matam. É uma individualidade que parou na beira do caminho. Machos violentos são pessoas truncadas!

Machismo violento é mais forte onde a cidadania e a democracia são fracas, caso do Brasil. O poder sobre a mulher se opõe absolutamente ao princípio cristão do poder como serviço. Só entende poder como serviço quem está ciente de seu valor humano e, assim, transborda esse valor para elevar outros seres humanos. 

Precisamos falar claro sobre machismo e violência, sinais de nossa humanização incompleta!


terça-feira, 17 de setembro de 2019

Paulo e a crítica das instituições sociais: uma carta sobre a escravidão


              
A pequena carta que o apóstolo Paulo escreveu ao amigo Filêmon narra como ele, Paulo, lidou com uma instituição social de seu tempo, a escravidão. Acho que o significado pleno da carta ainda hoje nos escapa. A carta fala de Onésimo, escravo de Filêmon. Ele havia fugido e, capturado, foi levado à mesma prisão onde Paulo estava preso. Lá então, deu-se a conversão de Onésimo. Sobre ele, disse Paulo: “... meu filho, que fiz nascer para Cristo na prisão (...). Ele é como se fosse meu próprio coração.” Cumprido o tempo de sua pena, Onésimo estava sendo reenviado pela polícia ao patrão, a quem então Paulo endereçou a carta. A narrativa e o pedido na carta são surpreendentes!
Primeiramente, Paulo diz que gostaria de poder guardar Onésimo a seu lado, para ajuda-lo no cativeiro. Contudo, ele não se permitiria faze-lo sem o aval de Filêmon. Por que? Eis a razão: “... para que a tua bondade não seja forçada, mas espontânea.” Ou seja, Paulo respeitava absolutamente a liberdade de escolha do patrão entre abrir mão ou manter seu direito legal de dono de escravo.
Em seguida, Paulo reafirmou o conceito cristão de humano – a filiação ao Pai. Onésimo convertido já não era mais um simples escravo na rede de relações sociais daquele tempo e lugar. Prosseguiu Paulo ao amigo: “Se ele te foi retirado por algum tempo, talvez seja para que o tenhas de volta para sempre (...) como um irmão querido (...) tanto como pessoa humana quanto como irmão no Senhor. Assim, se estás em comunhão de fé comigo, recebe-o como se fosse a mim mesmo”. 
Não se sabe a resposta de Filêmon àquele convite radical. Mas, sendo um “irmão de fé", é de se esperar que o aceitasse e que, portanto, a classificação social recuaria. Filêmon certamente escolheria a emancipação cristã. E receberia o antigo escravo como irmão! A lei perderia para o amor fraterno.
Que maneira é essa de abolir uma escravidão?
Note-se que Paulo usa a palavra coração para se referir ao “nascer para Cristo”. Paulo diz que Onésimo tornara-se como se fosse seu próprio coração. E coração, na Bíblia, tem um sentido forte. Era como se fosse o centro da pessoa, o cerne de seu caráter. A conversão, portanto, tocava o coração dos envolvidos. E, mudando o coração, mudava a prática. Portanto, chama a atenção nesse episódio, o fato de que não era só o escravo que estava se libertando; senhor e escravo se libertavam.
A experiência de conversão de Onésimo pode inspirar lutas políticas de nosso tempo?
Talvez teologicamente essa pergunta não tenha sentido. Não sei se uma carta teológica pode inspirar diretamente lutas políticas concretas. Mas, acho que ela é rica para pensarmos a nós mesmos e a nossa vida em sociedade.
Em primeiro lugar, vê-se que na emancipação que Paulo pregava, não havia um polo dominador que tinha o poder absoluto de libertar o outro, o dominado. Ambos “nascem de novo”, como havia ensinado o Mestre de Nazaré. A mudança na prática das relações sociais – não haveria mais escravo e senhor - era a consequência lógica e necessária da transformação mais profunda. E uma libertação dessa natureza não pararia ali!
Em segundo lugar, Paulo ensina que diante do amor do Pai, a ordem humana é menor! O amor do Criador é a determinação última, absoluta. Mas Paulo ensina, também, que aderir à opressão ou ao amor é escolha. Não fatalismo! Portanto, instituições que descaracterizam o ser humano são frutos de escolha, de escolhas individuais e coletivas. É notável que Paulo quisesse respeitar a liberdade de Filêmon para “exercer sua bondade”. Seria tão mais fácil impor, dar uma ordem! E, aí, vem sutilmente uma característica fundamental do legado cristão: se Deus criou o céu e a terra, as mulheres e os homens, a natureza e o cosmos... as relações opressoras fomos nós que criamos! E escolhemos continuar com elas, invertendo o projeto original! E, portanto, vivemos a vida social como peso, como impossibilidades, como carências, como dependências, como frustrações, criando separações, muros etc. etc. Contudo, ainda é a liberdade que nos define!
Lá naquela prisão, Paulo estava libertando um escravo e um senhor. E, ao mesmo tempo, dizendo coisas para nós, séculos depois. Ele estava, sobretudo, replicando a lição do Cristo, o Verbo encarnado. Ocorre que nós continuamos escolhendo mal... Mantemos instituições que nos desviam da plenitude própria da Sabedoria que nos criou filhas e filhos, irmãs e irmãos. Paulo estava tornando concreto o chamado de Jesus aos cansados e sofridos: “... meu jugo é suave e meu fardo é leve” (Mt 11, 30).

domingo, 14 de abril de 2019

Previdência e solidariedade social 4

Coloquemos na mesa de discussão sobre reforma da previdência social, os dados sobre quanto custa a dívida brasileira, quanto se paga de juros, para que serve a dívida, porque o Brasil sendo uma das grandes economias do mundo é o mais desigual.. Por que não discutimos nosso projeto de nação? Somos grandes e riquíssimos em natureza, terra, água... Se nós como cidadãos pegamos um empréstimo bancário, pagamos as maiores taxas de juro do planeta!!! Vamos colocar os dados às claras para a população e, democraticamente, os congressistas vao deliberar. Mas, é preciso perguntar também: 1) O que consideramos digno para um cidadão brasileiro? 2) Como queremos proteger os brasileiros mais fracos e fazer nossa pujante economia crescer? 3) Por que enorme proporção do PIB vai para pagar juros bancários? 4) Para que os governos sucessivos tomaram empréstimos? 5) Reforma da previdência é só para continuar pagando tanto aos bancos? Enfim, o momento é de nos informarmos. Jovens, é o seu Brasil que está em jogo! Toda decisão política é legítima, se ela for baseada em informações e conhecimentos por parte da sociedade. Todos nascemos, envelhecemos, adoecemos, morremos. Por que o ciclo natural da vida é pensado como custo na hora das decisões políticas? Estamos todos loucos? Olhemos para nosso Brasil com amor por justiça social e oportunidades!

Previdência e solidariedade social 3

Se o Brasil é uma unidade - por exemplo, Brasil acima de todos - temos que agir em unidade! Pensar no conjunto! A nova previdência não pode ser discutida só por quem tem meios e pouco precisa, quem se aposentou cedo, tem muitos privilégios!! Sem sofrer na pele a carência é fácil cortar despesa social! É duro ser pobre! Sobretudo na velhice! Se a previdência é um pacto de solidariedade social, por que não incluir ganhos financeiros nessa conta? Por que não diminuir os grandes privilégios de certas categorias? Por que não taxar dividendos? Por que não tributar com justiça grandes fortunas? Se o Brasil é para todos, façamos nossas partes no sacrifício com grandeza de espírito! Muitos estudos mostram outros cálculos para diminuir déficits A seguridade social gera sobra de caixa que até paga parte dos juros da dívida do governo! Então, por que só cortar fundo do lado de quem mais precisa? O Brasil grande deve ter um padrão de vida digna para seus cidadãos.

Previdência e solidariedade social 2

O que é o Brasil? Um dos pilares de uma nação é seu regime de previdência! Aqui, milhares de municípios têm nos benefícios previdenciários uma renda crucial. Milhões de avós criam netos com suas aposentadorias. Portadores de deficiência muito pobres não caem na indigência pois têm BPC. Previdência é um pacto da sociedade, baseado na solidariedade. Ela é o reconhecimento de nossa dependência mútua, do valor dos trabalhos e habilidades de cada um. A reforma é uma grande ocasião de repensar o Brasil. Cortar benefícios que em boa parte vão irrigar juros bancários faz uma nação? Quanto os juros da dívida comem de recursos sociais do país? Nas contas da reforma entra o projeto de Brasil! E muito debate! A solidariedade nacional não está à mercê de iluminados que pensam não precisar da saúde da coletividade.

Previdência e solidariedade social 1

Me perguntaram quantos remédios tomo por dia. Na sexta década de vida, boa questão! E quanto custa? Vish! Mais uma vez, somos tolos de nos deixar enganar por números na reforma da previdência. Números respondem questões! A proposta do governo inclui as perguntas dos idosos? Dos deficientes? Das mães pobres? Etc.? Facilmente um idoso gasta em remédios o valor proposto para o BPC. Uma emenda constitucional que mexe com o cerne da organização brasileira tem de ser informada pela diversidade social que faz o país. Não sejamos burros! Sobretudo, não egoístas! Os sistemas de seguridade social no mundo começaram a se construir no início do século XX e derivam do conceito de solidariedade social: os diferentes contribuem diferencialmente para o bem estar do tecido social do qual todos dependem. Militares que cobram deferência à bandeira, eleitores do "Brasil acima de tudo", essa sociedade precisa ser praticada de modo inclusivo e generoso. Então, cartas na mesa, debates amplos de propostas alternativas, senso de justiça, informação...! Cotejo de propostas é mais do que necessário se Brasil significa algo mais que propaganda. O envelhecimento da população é uma conquista civilizatória, não problema contábil. Como vamos proceder? Com inteligência, participação e lembrando das desigualdades que nos assombram. Escrevo de um vigésimo andar nesta Belém chuvosa e o meu vizinho ali da baixada está tentando comprar todas as doses dos remédios da hora. A reforma da Previdência nos convida a construir a nação que queremos. Nossos próximos entram na conta? O mercado pode substituir a sociedade? Qual o equilíbrio? Lembrar sempre: quem está propondo a reforma nunca precisou contar dinheiro antes de ir na farmácia!

Governo insensível

Tive a oportunidade extraordinária de morar em dois países: França e Austrália. Em ambos a morte de um inocente com 80 tiros faria tremer as bases do governo. Escândalo nacional! Mil explicações, forte pressão social!! Já no Brasil que está à beira de jogar seu maior patrimônio social pelo ralo, nem presidente, nem governador mostram qualquer sentimento. Ministério da Justiça mudo! Insensibilidade ao sofrimento é patológico. Não nos tornemos mais brutos do que já somos. Lutemos por projetos de paz e de futuro com dignidade, especialmente para os brasileiros mais diretamente expostos à violência!

Jovens, política e Previdência social

Vivemos sombras do passado: amor por armas, por governos autoritários, ódios étnicos, criticas a direitos humanos. A demonização da política é uma das sombras. Política vem de pólis, cidade, bem público, gestão. O conceito inclui a noção de "interesse pela coletividade" seja a cidade, a nação, a região ou o mundo. É um "capital social". Para Jesus, o conceito de poder era servir! Triste ouvir que jovens devem se desinteressar de política! Exemplo: a reforma da Previdência passará sem que a maioria tenha sequer conhecimento de alternativas, críticas competentes aos números e à própria existência do déficit. Quantos jovens sabem o que ela afeta suas vidas? Quanta "alienação" reina entre nós? Se amássemos o bem público ficávamos de olho nos debates. Previdência é custo? Não! É investimento social de imenso retorno, pois mantém gente no mercado consumidor que, sem os benefícios, cairia na pobreza. Decisões teriam mais chance de acerto se validadas por cidadãos informados, atentos aos seus eleitos... Política não é suja em si. Seus desvios se combate na esfera pública, não nos bastidores. Aprender a debater, a ler, a se expor ao contraditório, a liderar e ser liderado, são jóias para os jovens no Brasil desigual e violento. A política pode ser meio poderosíssimo de promover justiça social.

Um dos sentidos da Páscoa

Um dos sentidos da Páscoa é o compartilhar, uma das melhores potencialidades do ser humano. Maior que a competitividade, do que a busca do auto-interesse ou da própria felicidade, ou da liberdade negativa (no sentido filosófico) com que nos caracterizamos. Muitas culturas e religiosas ressaltam esse aspecto da partilha. Um exemplo, na tradição cristã, está na Primeira Carta de João (5, 1-6), lida hoje nas missas, que diz: "Todo o que crê que Jesus é o Cristo, nasceu de Deus, e quem ama aquele que gerou alguém, amará também aquele que dele nasceu". Essa é uma lição difícil de aprender: a espiritualidade chama ao amor aos nossos próximos, aos nossos iguais, a todos nós, independente de quem sejamos, ou de nossos "pecados". Chama, portanto, ao que temos de melhor, dentre todas as nossas fraquezas.

sexta-feira, 8 de março de 2019

8 de março: lembrando Lídia e Paulo

O dia da mulher existe porque nosso mundo preza desigualdades e concebe o poder como domínio. Uma das faces é a desigualdade de gênero que, no Brasil, se expressa em discriminações e, notadamente, em violência contra mulheres. Há quem considere que a religião cristã avaliza certa inferioridade da mulher, a quem caberia sobretudo a esfera dos cuidados e a submissão ao marido. Se essa é a visão da religião, não é de modo algum a do Evangelho!Jesus aprofundou os propósitos do Criador que fez homens e mulheres na sua imagem. Capacitados foram, ambos, para cuidar do mundo, faze-lo frutificar e ter prosperidade. A opressão das mulheres desvirtua o maior conceito de poder que herdamos dessa tradição: poder é servir! Jesus não só ouviu mulheres, como também esteve com elas em momentos cruciais de sua caminhada, naquela sociedade patriarcal em que mulheres eram socialmente inferiores. 
O Novo Testamento nos apresenta Lídia, comerciante de púrpuras que Paulo conheceu em Filipo e em cuja casa se hospedou. Ele a encontrou junto a um grupo de mulheres reunidas à beira de um rio. Esse grupo, liderado por Lídia, foi o berço da primeira igreja cristã que Paulo fundou na Europa!
De fato, há trechos das cartas paulinas com argumentos que soam estranhos do ponto de vista da igual dignidade de mulheres e homens, trechos sobre os quais há controvérsias de interpretação. Porém, o encontro com Lídia e seu lugar de honra na história primeira da Igreja na Europa, não deixam dúvidas da sua percepção de justiça social, e de gênero. Que o Espírito Santo nos ilumine com o discernimento de que toda opressão e toda injustiça nos diminui a todos. Mulheres e homens são co-partícipes da criação! Esquecemos o projeto original e vemos no outro, sobretudo na outra, objeto de nosso prazer, enfim, objeto de nossos próprios fins. Assim, comemorar o 8 de março é muito necessário! É preciso mostrar, criticar e educar para a igualdade. E lembrar que para as mulheres, muitas e muitas vezes a luta custou vidas, suores e lágrimas. O 8 de março se inscreve na utopia de sociedades justas e fraternas!!!

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Migrações nos enriquecem com as diferenças

O que seria São Paulo sem os italianos, japoneses, sírio-libaneses e tantos outros? A agricultura do Pará sem os japoneses? ... O que seria o Brasil sem tanta contribuição estrangeira? E o que será dos cidadãos brasileiros vivendo em outros países, tantos, com a saída do Brasil do acordo internacional sobre migrações, no quadro da ONU? O documento traz recomendações, não obrigações, para uma melhor gestão das migrações no mundo. Todos nós que temos no sangue e, muitas vezes no nome, marcas estrangeiras, temos obrigação de analisar o tema das migrações, em princípio, com reconhecimento e solidariedade. O que o Brasil ganha? E o que perde? A sociedade brasileira trata bem seus nacionais? Orgulha-se de seus indígenas? Tratar o tema com divisionismo e ressentimento é lamentável.

A barragem e nós todos

Leio estarrecida que a tragédia da barragem tem a ver com a ganância do PT! Que louco! Governos que mais criaram unidades de conservação e respeitaram as terras indígenas foram dessa legenda. Tais críticas são incapazes de ver que nossa economia de consumo exacerbado requer mais e mais minérios...E as desigualdades sociais aceleram o consumismo, enquanto tantos outros carecem do básico. Nesse quadro, Trump, nosso governo e muitos outros continuam a separar economia e ambiente, o que é trágico. Reflexo disso: as ameaças a terras indígenas. Terras indígenas, protegendo florestas, protegem também o futuro. Precisamos olhar para nosso próprio modo de vida! A agroindústria precisa da floresta amazônica. Agrotóxicos são perigosos. E nesse aspecto, andamos na contramão do mundo. De muitas formas contribuímos para depredar nossa casa comum.

Brasil sem ideais?

Na política dominante no Brasil há ausência absoluta de ideal. O primeiro ato do novo governo foi negativo: armas! Armar é desistir do diálogo e da busca de consensos sobre que Brasil queremos. Falar "Brasil acima de todos" e, sobretudo, em "Deus", requer tratar as desigualdades. Se é para falar do Mestre de Nazaré, sem demagogia, os mais vulneráveis desse Brasil deveriam merecer especialíssima atenção dos líderes. País sem cidadania é uma noção pobre, pura formalidade. Mas, nós mal sabemos o que significa o Brasil como uma sociedade. Tememos o risco em cada esquina, a Venezuela e um comunismo inexistente! Somos ignorantes ao engolir aquela ração com produtos perto de vencer para escolas públicas, proposta pelo último prefeito de São Paulo. É o poder público "oficializando" a hierarquia social. Pior: definindo crianças de segunda classe para as quais se destinam quase restos, elas que são justamente o futuro... O mesmo acontece agora com a ideia da universidade para a elite esclarecida. Os fatores que impedem tantos jovens de realizarem seu potencial e inteligência truncam a formação de algo que se possa chamar verdadeiramente de elite. Nossos ricos adoram a Europa, mas lá não há nossas desigualdades e o respeito mínimo a cada pessoa é infinitamente maior que entre nós. Basta colocar o pé em uma faixa de pedestre em Paris, para experimentar o que é ser pedestre! Nosso Brasil, nossos dirigentes, nós todos abrimos mão de acreditar e sonhar o futuro: nada de progresso, nada de desenvolvimento sustentável... Em pouco tempo nem mesmo as garantias das comunidades indígenas estão asseguradas. Assim, esse "Brasil acima de todos", não tem substância, não implica em planejamento ou missão. Até a velha ideia de Justiça e de Estado democrático de Direito perde vitalidade. Entre nós, preferimos falar de "vitimismo" do que de inclusão! Que horizonte raso! Ainda bem que o mal é passageiro! Tudo passa. O essencial da vida, e da vida coletiva, está além. Suas raízes profundas fincam-se nos melhores valores de nossa civilização: amor, caridade, justiça, liberdade, reconhecimento, Direito...