Ontem, durante uma festa de casamento, um amigo dos noivos fez uma fala na qual leu um poema que consta da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios. É o texto "Acima de tudo o amor". Independentemente de fé religiosa, vale sempre a pena deixar-se seduzir por aquelas palavras. Por curiosidade, então, consultei o texto. Os organizadores da Edição Pastoral da Bíblia, que possuo, lembram que as cartas de Paulo são documentos complexos, com muitas dimensões e mensagens a serem apreciadas. Sem entrar no mérito da fé e ciente de minha ignorância em matéria teológica, reflito aqui sobre apenas algumas das mensagens que o texto encerra e que são "boas para pensar" em qualquer tempo, mesmo fora do campo religioso. É num sentido não religioso que estou refletindo aqui.
Dois temas ressaltam logo no início da carta: subversão das hierarquias sociais e relativização dos saberes oficiais. Assim, referindo-se ao espírito que animava o anúncio do Evangelho, Paulo indicou a vã pretensão de se considerarem superiores aos demais, aqueles reputados como detentores privilegiados dos conhecimentos e da sabedoria do mundo, bem como os mais fortes.
"Entre vocês não há muitos intelectuais, nem muitos poderosos, nem muitos de alta sociedade. Mas, Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte. E aquilo que o mundo despreza, acha vil e diz que não tem valor, isso Deus escolheu para destruir o que o mundo pensa que é importante". (Coríntios 1-2)
"Entre vocês não há muitos intelectuais, nem muitos poderosos, nem muitos de alta sociedade. Mas, Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte. E aquilo que o mundo despreza, acha vil e diz que não tem valor, isso Deus escolheu para destruir o que o mundo pensa que é importante". (Coríntios 1-2)
A loucura referia-se àquele saber que não era o reconhecido e institucionalizado: "Minha palavra e minha pregação não tinham brilho nem artifícios para seduzir os ouvintes, mas a demonstração residia no poder do Espírito, para que vocês acreditassem, não por causa da sabedoria dos homens, mas por causa do poder de Deus". Tratava-se de um saber engajado na promoção humana, mobilizador das pessoas para o crescimento conjunto. Um saber generoso, portanto. Esse ponto reaparece no poema sobre o amor, quando dizia que conhecer sem amar era inútil: "Ainda que eu tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência, ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de transpor montanhas, se não tivesse o amor, eu não seria nada".
A conversão de que ele falava produzia uma força interior que tornava o sujeito autônomo perante as forças do meio, como expressa a frase : "... o homem espiritual julga a respeito de tudo, e por ninguém é julgado. Pois, quem conhece o pensamento do senhor para lhe dar lições? Nós, porém, temos o pensamento de Cristo". É uma extraordinária afirmação do poder da pessoa como sujeito, capaz de se transformar interiormente e agir em conformidade com essa força, transformando o contexto social em benefício da maioria. A maioria aqui não oprime o sujeito, mas parte dele, justamente de sua elevação. Tem-se aí, também, a inversão da polaridade força e fraqueza. Por mais fraca, pequena, desprovida de reconhecimento social que fosse a pessoa, abrir-se ao que vinha do "Espírito de Deus" tornava-a integral, plena, engrandecida. Por outro lado, Paulo diz que esteve pregando entre os Coríntios "cheio de fraqueza, receio e tremor", sem o brilho e os artifícios que facilitariam a sedução do público.
A carta exprime sabedorias que atravessam os tempos e sempre conseguem dizer algo novo ao leitor, religioso ou não. Essas palavras antigas têm um frescor próprio dos grandes textos e dos grandes autores.
Ele abordou o tema da limitação dos saberes oficiais, da ciência instituída. E, portanto, de certo modo convidava a olhar para saberes outros, populares, desprovidos de prestígio e consideração. Não falou propriamente em diálogo entre saberes, mas acho que a idéia do diálogo encontra legitimidade em seu texto, pela ênfase no reconhecimento. Para ele, os pequenos do mundo estavam como que mais prontos para a nova visão que elevaria a todos.
A carta exprime sabedorias que atravessam os tempos e sempre conseguem dizer algo novo ao leitor, religioso ou não. Essas palavras antigas têm um frescor próprio dos grandes textos e dos grandes autores.
Ele abordou o tema da limitação dos saberes oficiais, da ciência instituída. E, portanto, de certo modo convidava a olhar para saberes outros, populares, desprovidos de prestígio e consideração. Não falou propriamente em diálogo entre saberes, mas acho que a idéia do diálogo encontra legitimidade em seu texto, pela ênfase no reconhecimento. Para ele, os pequenos do mundo estavam como que mais prontos para a nova visão que elevaria a todos.
Arrisco dizer que essas reflexões enriquecem um tema contemporâneo, que é a degradação ambiental. As palavras da carta convidam a relativizar os saberes e as práticas dominantes e a compartilhar e trocar conhecimentos científicos com populações locais (indígenas, comunidades pesqueiras e camponesas...) no trato com seu meio. E, assim, a colocar em relevo os direitos ao território e aos meios de vida, condição para o para o diálogo de saberes na busca de melhores modos de gestão ambiental. Obviamente, uma discussão bem distante do texto original que, ademais, toca em muitas outras questões.
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