Dia desses, em discussão em aula sobre relações de gênero e trabalho, discutimos dois textos de literatura - de Cora Coralina (Tesouros da Casa Velha) e de Maria Lúcia Medeiros (Velas por quem?). Enfocavam uma biografia outrora típica de mulheres pobres em cidades provincianas do Brasil, que começaram cedo nas lides domésticas em casa alheia. Pois bem, nas discussões em sala, surpreendemo-nos, alunos e professora, com os casos de uma aluna e um aluno que eram, respectivamente, filha e neto de uma dessas meninas "crias" em casa de família. Menos surpreendentes foram os relatos de várias alunas, de que podiam estar ali, investindo em sua formação profissional, por disporem dos serviços de uma mulher, geralmente uma empregada doméstica, a quem confiam filhos pequenos ou alguém na casa que requer cuidados contínuos, uma pessoa idosa por exemplo.
Manifestavam-se ali traços comuns do exercício da maternidade entre nós. Um deles, a "conciliação" vida familiar e atividade profissional, assunto de mulheres. Alunas se referiram a essa experiência, reforçando o que a literatura pertinente aponta quanto ao fato se ser essa uma solução que ainda diz respeito, sobretudo, às mulheres. São elas, principalmente, que enfrentam os dilemas e as culpas quando as formas de acomodar ambos os planos, ambos os sonhos, são atrapalhadas, desajeitadas, não se acha a pessoa certa, não se tem o tempo desejado, não se supre devidamente as carências, das mães e dos filhos. Outro traço comum verificado foi a frequência com que nossas "ajudantes", "secretárias", empregadas domésticas que são, muitas vezes, cuidadoras sem o reconhecimento profissional pertinente, também fazem a conciliação vida e trabalho. Também elas recorrem a outras, da família ou de fora, tirando parte dos rendimentos para pagar uma cuidadora para seus próprios filhos e parentes.
E, assim, desse modo privado, doméstico, seguimos resolvendo parte da tensão da chamada conciliação entre vida familiar e trajetória profissional, com maiores ou menores possibilidades, pois as desigualdades sociais são profundas. Daí me ocorreu a idéia do título desta postagem sobre o dia das mães, a de uma cadeia produtiva que efetiva a maternidade. Trata-se de uma rede social em grande parte informal e silenciosa, feita de trabalhos e cuidados, afeto e conflitos, reconhecimento e invisibilidade, direitos conquistados e, não obstante, negação de direitos.
E as mães seguem dando vida, amor, cuidados, até nos nomes que escolheram para os filhos, sozinhas ou compartilhando a decisão com os companheiros, nomes que refletem o fato de que, especialmente naquele instante em que deram à luz, sonharam um futuro bom para os seus.