Há poucos dias, o presidente disse
que, apesar de lamentar as mortes pelo vírus, todos vão morrer de qualquer
modo! A ex-secretária da cultura reclamou de se falar das mortes por tortura
com uma visão semelhante, ou seja, não é tão grave assim, pois todos morrem.
Uma economista da equipe de Guedes quase se alegrou com a ideia das muitas
mortes de idosos de covid, pelo alívio nas contas da Previdência! A ideia de
armar a população também parte da noção de que, no fundo, a morte é nosso
destino comum. O mesmo vale para a justificativa de que a economia precisa
funcionar, mesmo ao preço das mortes provocadas pela exposição à doença.
Uma economia não é fatalidade! Que
economia é essa, em pleno século XXI, que se declara incapaz de submeter a
atividade econômica ao objetivo maior de promover a vida da coletividade?
Milênios de história e somos ainda como os homens das cavernas, que viviam ao
sabor do acaso?? No nosso caso, vivemos ao sabor das "flutuações dos
mercados"?
A timidez das reações de repulsa
àquelas palavras sobre a morte é uma prova de que tal forma de pensar está no
fundo de nossa organização social. Assim, pode-se entender porque não se coloca
todo o esforço público possível para o enfrentamento comum da pandemia. O
auxílio emergencial, por exemplo, além de pequeno (e o governo queria só
R$200,00), colocou tantas pessoas em risco em filas e sujeitas a uma burocracia
que se arrasta até hoje. Mas, já que esse pessoal está acostumado a sofrer e,
no fundo, todos vamos morrer mesmo, não tem problema sofrerem mais um pouco.
Aceitar que a educação superior é para os melhores e não justiça social - dito
por um Ministro!! - faz parte do mesmo quadro de pensamento.
Essas coisas são ditas e feitas,
porque evoluímos pouco como sociedade e como civilização.
Todos os esforços da ciência, da
tecnologia e da moral coletiva são para que se diminuam mortes por causas
evitáveis. Um país deveria, em tese, orgulhar-se de elevar a expectativa de
vida, de reduzir a mortalidade infantil e materna. O IDH, por exemplo, foi
elaborado para nortear países, governos e sociedades na fixação de metas de
crescimento econômico sim, mas inseparáveis da vida com qualidade. Por isso
associa indicadores econômicos com indicadores sociais.
Então por que nós, brasileiros, em
2020, engolimos visões toscas sobre saúde e economia?
Por que engolimos a ideia de que a
morte é inevitável? E os saberes que desenvolvemos, inclusive como dom de Deus
(para os que crêem), são para que? São para nos elevar, para incluir, para
promover a vida coletiva, da qual todos dependemos.
Por que nós, brasileiros, aceitamos
um governo que declaradamente abdica do dever de promoção da saúde? E o faz
tendo a coragem de dizer que todos vão morrer mesmo. Então, velhos, pobres,
doentes... esses apenas estão na frente do destino. E, assim, abdicamos de
nosso dever - cuidar da saúde de todos, evitar as causas de morte que são
evitáveis: mortes por doença, por acidentes de trânsito, por fome, subnutrição,
falta de saneamento (pular no esgoto não é natural, como disse o líder!!).
No fundo, nos acostumamos demais com
as desigualdades. E, portanto, com o fatalismo de que não podemos mudar essa
situação. Mandamos os ideais de solidariedade às favas. Deixamos de perguntar
porque em meio a uma pandemia, a preocupação dos governantes é em não gastar
muito dinheiro!
Estamos tão acostumados que uma parte
de nós brasileiros mora mal em favelas, baixadas, alagados... que acabamos por
aceitar visões atrasadas sobre a morte como algo natural e fora de nosso
alcance.
Precisamos odiar esse natural!
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