As sucessivas provas de corrupção na Assembléia Legislativa do Estado e da amplitude da rede de envolvidos, levanta novamente a pergunta sobre que condições favorecem o tão frequente afastamento de políticos do que deveria ser a própria matéria de seu mandato, isto é, a causa pública. Dentre os fatores, uma característica institucional merece atenção: os privilégios associados à condição de membro do Legislativo. Não falo dos salários elevados, mas dos benefícios extra-salariais, monetários e não monetários. Ao criarem uma disponibilidade tão generosa de serviços (e serviçais), favores e proteções, podem obliterar o senso da realidade social. Junto com o poder, não é preciso tomar ônibus, faltar a um tratamento de câncer por não poder pagar o taxi, esperar anos para fazer mamografia já com mais de 50 anos, os filhos perderem aula porque a rua encheu... É compreensível desenvolver uma auto-imagem de ser acima dos comuns mortais.
Descompassos dessa ordem, portanto, reduzem a capacidade de se colocar no lugar do outro. São mundos incomensuráveis. Daí a sobrepor os interesses de um eu tão poderoso aos da plebe ignara, é um passo que muitos têm dado.
Capacidade de se colocar no lugar do outro ao exercer função pública foi expressa pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto, durante recente entrevista. Ao se manifestar sobre o aborto em caso de feto anencéfalo, afirmou ele: "se nós, homens, engravidássemos, a autorização para a interrupção da gravidez de feto anencéfalo estaria normatizada desde sempre". Brilhante reconhecimento das diferenças sociais e sensibilidade quanto à relatividade da própria posição de poder! As instituições políticas ganhariam com mais exercícios dessa natureza.
Fonte da entrevista: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=45002
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