A recente decisão de aumento dos subsídios dos deputados estaduais no Pará, elevando de R$ 12.000 para cerca de R$ 20.000 mensais, assim como ocorreu antes no âmbito do Congresso, suscitou uma série de reportagens mostrando insatisfações da população em diferentes pontos no Estado. Um dos reclamos mais comuns é o fato de o reajuste ter se dado em proporção superior ao reajuste dos preços e, particularmente, ao reajuste do salário mínimo. Como a maioria dos paraenses sofre para fechar as contas do mês, a medida logicamente dá vazão a uma série de juízos que ameaçam a reputação da categoria política. A irritante frase volta a martelar: político não presta, é tudo a mesma coisa! Inclusive, corre na internet a campanha de um professor que, ao comparar sua renda aos custos de um parlamentar brasileiro propõe a infame equação: 1 parlamentar = 344 professores de escola pública. Tudo isso é uma generalização abusiva.
Diante de tal estado de espírito coletivo, e achando que há entre os deputados da 17a legislatura, além do representante do PSOL, outros que partilham a idéia de que um reajuste seguindo o IPC seria aceitável, precisamente porque a condição da maioria do eleitorado requer um ato de solidariedade, pode-se pensar em alternativas de uso dos rendimentos ampliados. Qualquer alternativa deve respeitar o merecido reajuste. Tratando-se de subsídio, portanto, exclusivamente pessoal, tudo o que se pode sugerir é a título de colaboração voluntária. Por isso, o exercício aqui proposto é de aplicações no campo da filantropia. Mas, uma filantropia coletiva, não individual, o que é sempre delicado, pois dificilmente se traduz em votos. Em contrapartida, contribuiria para a reputação da categoria como um todo. E em nada afetaria a dedicação dos parlamentares a suas funções principais no exercício dos mandatos. Então, vamos lá.
Supondo-se que vinte e cinco deputados concordassem em guardar metade do aumento, ou seja, R$ 4.000, destinando então os outros R$ 4.000 para o experimento filantrópico, ter-se-ia cerca de R$100.000 por mês, R$ 1.200.000 por ano. Não é muito para necessidades sociais, mas conforme o tipo de aplicação a ser dado, o valor simbólico seria alto. Se a idéia é palatável, mil e um tipos de aplicação poderiam ser propostos: pesquisas aplicadas, bolsas de estudo e pesquisa, eventos...
Uma idéia que me vem logo à mente refere-se a contribuições na área de saúde. Quando se acompanha a rotina de pacientes à procura de tratamento público para câncer e a infraestrutura precaríssima no Estado para tais males, percebe-se um pouco a dificuldade. Uma idéia seria formar um fundo para despesas de locomoção de pacientes que têm de ir com muita frequência a um hospital receber o tratamento; para quem ganha pouco e a doença impede usar ônibus ou van, gastar com taxis ou contar com a boa vontade de parentes ou conhecidos aumenta muito o sofrimento com a própria doença. Esse tipo de aplicação seria mais eficaz se destinada a municípios que concentram hospitais ou centros de saúde que ministram tais tratamentos, para onde convergem as populações dos municípios do entorno.
Por outro lado, sabe-se que o mais das vezes cabe a mulheres cuidar dos parentes doentes, acompanhá-los aos tratamentos, além dos cuidados cotidianos com as crianças. Essa divisão tradicional frequentemente reduz sua possibilidade de trabalho remunerado, ou de acesso a um trabalho de melhor remuneração. Assim, um fundo para amenizar os gastos com os cuidados são sempre bem vindos, por exemplo, auxílios para manter crianças em creches e pré-escolas e para manter as crianças depois das aulas, como serviços culturais e educativos (cinema, teatro, esporte, bibliotecas, reforço escolar...), nesses casos em parceria com organizações locais.
Na verdade, o verdadeiro motivo desta postagem, não é o aumento dos ganhos. A atividade parlamentar requer muitos custos, que não são só monetários. São também pessoais, emocionais, desgates físicos... A dedicação ao labor é necessariamente muito grande. Manter-se preparado, atualizado, antenado, nada fácil. Como muitas outras profissões, o trabalho de um político não acaba quando o relógio de ponto marca a hora. E os custos de uma eleição são cada vez maiores.
O que verdadeiramente motiva esta sugestão de experimento, é a lembrança de que os debates nas instâncias políticas parecem distantes do cotidiano das pessoas comuns no Estado, mal tratadas, mal trajadas, mal informadas. Enfrentam desde paradas de ônibus sem cobertura, até a negação de informação básica sobre direitos e o acesso a uma obturação de dentes, ou a uma mamografia. A sensibilidade a tais realidades, que desperdiçam vidas, parece distante.
De fato, penso que um dos grandes problemas atuais da democracia é que a classe política está a transformar-se numa casta que se auto-reproduz e possui dinâmicas próprias que pouco têm a ver com as preocupações, os sonhos e os objetivos dos múltiplos estratos da população, que presumo que despreza. Ou então foi sempre assim, só que agora há cada vez menos paciência para suportar isso. Concordo com você que o ofício político é difícil e desgastante (não é por acaso que pouco tempo depois de assumirem o poder, os governantes aparecem na Tv cheios de cabelos brancos e rugas)e, como tal, deve ser bem pago....mas é preciso não esquecer que essa recompensa é um "prémio" da sociedade para aqueles que a representam, e não uma benesse para recompensar favores políticos internos à casta, que é o que infelizmente acontece com muita frequência....daí a indignação popular, muitas vezes aproveitada da pior maneira por toda a gama de populistas.
ResponderExcluirAna, valeria desenvolver postar sua reflexão no In-constantemente. O distanciamento entre políticos e a população fora dos períodos eleitorais parece ser mútuo, como atesta essa sensação de inutilidade que tantos expressam e que tem seus perigos. Aqui o voto é obrigatório, de modo que as abstenções não são tão expressivas.
ResponderExcluirO comentário da Ana me fez lembrar do velho Luhmann. Será que chegaremos à conclusão de que ele estava certo?
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