Através do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulher e Relações de Gênero), soube hoje da morte da Professora Heleieth Saffioti, uma das pesquisadoras que abriu ricos caminhos de investigação sobre a condição social da mulher no Brasil. Caminhos que não mais fecharam ou, melhor dizendo, enveredaram por vias muito profícuas, através dos estudos feministas e de gênero desde então.
Não a conheci pessoalmente. Mas, certamente, compartilho com muitos colegas o reconhecimento de que ela foi uma referência na formação dos cientistas sociais brasileiros. Em seu grande livro A mulher na sociedade de classes, nos anos 1970, sob uma perspectiva marxista, ela levou seus leitores a compreenderem essa "condição", ou seja, essa posição social particular da mulher, seu status diferenciado do status dos homens, na dinâmica social mais ampla. As discriminações que as mulheres sofriam, expressas com especial clareza nas principais características de sua inserção no mercado de trabalho, não eram resultado de uma disfunção, ou de uma visão atrasada, sobretudo em sociedades economicamente menos desenvolvidas. Visão que, portanto, seria superada com a modernização. Saffioti evidenciava, por exemplo, através das estatísticas sobre trabalho feminino no Brasil, o quanto elas estavam atrás em carteira de trabalho assinada, salários e acesso ao emprego formal.
A notar que, com sua respeitável bagagem acadêmica, ela elaborou um estudo pioneiro sobre o emprego doméstico - que era então, disparado, o principal absorvedor da força de trabalho feminina no país. Eram trabalhadoras que tinham alcançado há apenas poucos anos, em 1972, uma cobertura mais convincente de direitos trabalhistas. A nova legislação deixava para trás aspectos das relações servis que as profissões domésticas haviam recebido do escravismo e que teimavam em permanecer nas relações entre patrões/patroas e empregados, sobretudo empregadas, pois eram mulheres que prevaleciam numericamente nessas profissões.
Pois bem, Heleieth Saffioti analisou com notável profundidade teórica e empírica, várias teias que ligavam as discriminações, não só de gênero, mas também étnicas, e as rodas da economia capitalista. Também no capitalismo moderno, a divisão sexual do trabalho era um elemento estrutural da ordem social. Neste caso, herdando princípios de classificação subalterna historicamente anteriores, as mulheres apresentavam-se como força de trabalho passível de um grau de exploração mais acentuada, em benefício dos empregadores. Na condição social da mulher trabalhadora conjugavam-se sistemas discriminatórios de gênero e de classe, contribuindo a sua maneira para a reprodução do modo de produção cujo móvel é a acumulação. Ademais, as mulheres, que haviam sido alvo de pouca atenção entre os clássicos das Ciências Sociais, apareciam também desempenhando papéis de grande relevo na sustentação do sistema econômico. De um lado, concebidas e auto concebendo-se como "ajudantes", trabalhadoras secundárias, de menor importância, elas assumiam com frequência funções que Marx havia analisado como parte do "exército industrial de reserva", do tipo que podiam ser dispensadas e reabsorvidas conforme os ciclos econômicos. E, ainda, com seu labor gratuito na manutenção cotidiana dos trabalhadores da ativa e das próximas gerações, as mulheres no lar também foram percebidas como estruturalmente ligadas com a reprodução da ordem social de classe. Essas atribuições naturalizadas como femininas, contribuíam para rebaixar o valor da mão de obra no mercado. As ideologias de gênero amenizavam a percepção dessas formas de exploração que se davam dentro e fora dos espaços da produção econômica.
Estas linhas sobre seus estudos de fato não fazem justiça à obra da autora e ao impacto que suscitou no meio acadêmico. Faço estas reflexões no sentido de reafirmar a importância de um estudo que pioneiramente no Brasil analisou as vivências das mulheres trabalhadoras e sua importância sociológica. Suas pesquisas contribuíram para uma compreensão mais política dos trabalhos no lar, para a politização da categoria cuidado, que a pesquisa feminista impulsionou e que o movimento feminista conseguiu muitas vezes traduzir em políticas.
A propósito das conquistas, vale ler no blog Política e Crônicas, o post de 6 de dezembro de 2010, chamado Uma Nova Face das Empresas. A autora destaca algumas implicações da suposta neutralidade de gênero na organização dos espaços de trabalho convencionais:
ResponderExcluir"Utensílios de trabalho, formas de vestir, sanitários, vestiários, hierarquias de gestão administrativa além de outros emblemas do mundo laboral tinham uma única evidência referenciadas para o cidadão universal, nada constando do processo de reconhecimento das relações de gênero estabelecidas socialmente."
A autora então chama a atenção para importantes conquistas através do Programa Pró-Equidade de Gênero que foi fruto da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM), cujos detalhes ela discute.
http://politicaecronicas.blogspot.com
Esta homenagem a Heleieth foi reproduzida nos seguintes endereços:
ResponderExcluirhttp://racismoambiental.net.br/category/homenagem/
http://www.portaldomar.org.br/blog/portaldomar-blog/categoria/noticias/heleieth-saffioti-uma-grande-pesquisadora-sobre-a-condicao-da-mulher
Ambos no dia 16 de dezembro de 2010