Republicando um texto de 2016
Uma das poucas certezas da vida é a incerteza da vida. Insidiosamente, de passagens em passagens, de permutas em permutas, o curso da vida muda. Mais para uns, menos para outros... mas mudam sempre corpo, interioridade, paisagem, contexto, meio, os queridos e os anônimos. Manejar o leme, exercer algum controle na trajetória, é maestria invejável. Sobretudo, exercer controle sobre os companheiros do caminho, especialmente os mais caros, moradores no fundo do coração. Mas, missão inglória. Esforço nulo. Bom que assim seja, somos todos livres, sujeitos em buscas de ser na viagem comum, migrantes que somos.
E no entanto, é um equilíbrio precário o que se alcança, o controlar a vida. No fundo, é desejável, necessário. Pois a incerteza e as mudanças de curso tanto abalam, riscam a alma e as certezas, quanto abrem rotas novas... Se o controle por acaso vem a ser bem sucedido, a vida ossifica, passa a hora de sacodir o que nela enrijeceu e se fechou...
Digo isso a propósito de uma dimensão sobre na qual pesam pressões seculares de controle, costume, autocensura e censura pública. O sexo e a paixão para uma mulher só, a chegar oficialmente na velhice e, portanto, a que não desperta e nem arde de desejo. Já abrandou a memória do encontro amoroso, do toque... Moral e comportamentos reafirmam o fora do lugar que representa acender o que devia estar quieto ... Eu mesma vi meu casamento encerrar em parte por isso...
Eis que descubro que desejo, ardor e paixão não se apagaram. Mudaram, por certo, da paixão do corpo aos vinte. Mas, menos em intensidade do que poderia pensar, e mais em qualidade. Se expressam agora com coragem, abertura, liberdade de entrega, aquecidos pela gratidão e pela redescoberta – quase uma primeira vez ... Eis que numa curva da vida, chega um jovem que - loucura das loucuras – me olhou como mulher, me desejou e, de imediato, despertou a chama. Como um presente da vida, me convidou ao amor paixão e, pois, a saborear a infinitude do que é passageiro, usufruir o amor e sua expressão sexual. Seu olhar e seus gestos não me distinguiram como corpo mais velho, de imperfeitos... e, assim, esse menino – posso assim chama-lo com afeto - me permitiu que eu mesma me redescobrisse. Retirou de mim mesma a cortina da convenção e do hábito, que eu tanto contribuíra a tecer. Deu-me, assim, um presente de uma beleza que não consigo traduzir em palavras.
Nada de prender, nada de futuro, nada de reter o que é fugidio, onda, vento, chuva que renovaram uma trajetória e lhe aqueceram quase além da medida.
Nada, penso saber agora, nada permite selar a priori a morte do desejo e da paixão para a mulher que envelhece, seja por um decreto da cultura, por uma resolução da biologia, ou pela sanção moral ou, simplesmente, pelo esquecimento e pelo desuso.
Escrevo este texto porque quero confia-lo a tantos homens e tantas mulheres beirando ou passando os sessenta, os setenta... especialmente aos homens que acham que apenas nas mais novas saciarão o desejo e que pretendem afirmar algum controle inócuo sobre o tempo. E dedico também, para as mulheres que se conformaram e que, como eu, foram sublimando esse lado da vida, essa capacidade de amar e desejar com que fomos agraciados desde nossa criação... A esses homens que não olham mais para suas companheiras de casamento com olhar renovado... A essas mulheres que se privam de reacender o que de fato não morre, apenas abranda, e retorna grande, intenso, mágico.
Ontem, dançando com o jovem amante, eu olhava ao longe mesas com homens mais velhos, da mesma idade que eu, a beber, e pensava o quanto nenhum deles sequer olharia para mulheres como eu. Eu vivia o momento mágico que não sei se a sorte ou o destino me reservou. E, compreendi: todas temos fogo – desculpe, não encontro palavra menos comum – temos ardor, temos desejo e capacidades de exprimi-los no encontro com o outro, no encontro de amor... Olhares desassombrados, sedução, vontade de surpreender, vontade de conhecer... tudo é possível, me ensinou ele.
Tive um presente da vida que me levou a aprender uma velha lição. Relaxei os controles e me permiti me abrir ao incerto e seus riscos, recebendo em troca muito mais do que esperava conseguir. Obrigada companheiro de passagem que acostou em meu porto. Seja feliz!
Belém, 02 de novembro de 2016.
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