Sábado, na calçada perto do meu prédio vi um casal sentado à porta de uma loja já fechada. Pareciam moradores de rua. Na pouca luz noturna, eram vultos. De certo modo, aquela presença apagada num sábado à noite estava lá dizendo algumas coisas sobre nós, de como vivemos juntos na mesma cidade e tão distantes. Ou seja, no centro de nossa vida comum tem algo que não bate bem.
Há um princípio do qual não conhecemos na prática todas as implicações. É o princípio da centralidade das margens, ou seja,o que é pequeno, marginal e fora da cena principal é importante. A margem, de fato, fala do principal de nossa vida em sociedade, que é uma vida pobre e mesquinha, pois valoriza o exclusivismo e os sinais de sucesso e poder. Então, para manter essa construção social não se olha, ou se olha pouco para as margens, as zonas sombrias para onde se empurra os derrotados, os incompetentes, os sem méritos, os mal nascidos e os que diferem do padrão. Não é a toa tanto medo e tanto risco. E nesse afã pela ascensão na escala humana, achamos plausível cortar direitos que oferecem alguma proteção aos vulneráveis, já que importa manter a máquina grande funcionando e quem for bom que vença. Que ordem é essa?
Acho que toda a caminhada terrestre do Mestre de Nazaré expressa o princípio da centralidade das margens. Nele vemos o Criador atento aos mais pequenos e aos marginais. Para Ele nenhuma vida era irrelevante. Nenhuma merecia ser sacrificada por projetos coletivos. Se todos contribuíam para o corpo social, portanto, todos dependiam uns dos outros. Leis nunca podiam se sobrepor à vida, daí as curas que fazia aos sábados, a intimidade com pecadores e impuros e o desafio que desconcertou os acusadores da adúltera, que não conseguiram jogar a primeira pedra.
A vida vinha sempre em primeiro lugar. As imagens do pastor que se preocupa com cada ovelha, os salmos que falam de um Deus que sabe o número de fios de cabelo de cada um de nós, ou que conhece a palavra que queremos dizer antes de ela chegar na boca... Quantas pessoas terão lido essas passagens e experimentado no seu íntimo o ser reconhecido e amado? A festa do pai comemorando o retorno do filho é uma figuração precisa dessa visão de mundo que fez a síntese mais perfeita entre o individual e o coletivo, entre a pessoa, a sociedade e a história.
Também é assim a narrativa do encontro de Jesus com a mulher samaritana à beira de um poço onde ela havia ido buscar água. Além de mulher, com a qual um judeu adulto não devia falar, ela era de uma etnia considerada impura e, ainda, tinha tido vários maridos. E, no entanto, foi ela a primeira pessoa a quem Ele contou ser o Messias. E aprendeu que esse Messias trazia uma água viva, capaz de saciar as sedes humanas para sempre. E, também, que o que importava de agora em diante, não era mais o culto prestado a Deus em templos especiais e nem a oferta de sacrifícios, mas o culto em espírito, ou seja, na vida cotidiana, uma espiritualidade viva. Seu alimento era essa Palavra que mudava radicalmente nossos valores e nos ensinava a olhar para o alto e para o lado com um novo olhar e um novo coração.
Em tudo isso estava presente a mensagem maior, a doação do Pai aos filhos. A partir dela não éramos mais dominantes e dominados, gregos ou romanos, judeus ou pagãos, homens ou mulheres... O poder maior não era o dos reis e dos impérios, mas o do serviço e da inclusão de todos no amor do Pai. Por isso Jesus disse a frase que ecoaria longe: meu reino não é deste mundo. Os reinos deste mundo não têm substância.
Que legado é esse que alimenta nossa memória coletiva e que ainda celebramos, passados mais de dois milênios? E, ao mesmo tempo, não compreendemos, pois a lógica é tão estranha aos nossos apegos mundanos! Aponta uma perfeição que preferimos pensar ser inalcançável. E então fica aquele abismo entre a profundidade da Palavra e o que vai na nossa prática. E muitas vezes praticamos uma fé intimista, sem efeitos solidários, na qual muitas vezes eu mesma me incluo. Assim, toleramos uma sociedade com tantas pessoas à margem. A vida plena é para todos, e não por nossos méritos, mas pelo amor do Criador, que aponta sempre para nosso potencial e nossa força.
Acho que toda a caminhada terrestre do Mestre de Nazaré expressa o princípio da centralidade das margens. Nele vemos o Criador atento aos mais pequenos e aos marginais. Para Ele nenhuma vida era irrelevante. Nenhuma merecia ser sacrificada por projetos coletivos. Se todos contribuíam para o corpo social, portanto, todos dependiam uns dos outros. Leis nunca podiam se sobrepor à vida, daí as curas que fazia aos sábados, a intimidade com pecadores e impuros e o desafio que desconcertou os acusadores da adúltera, que não conseguiram jogar a primeira pedra.
A vida vinha sempre em primeiro lugar. As imagens do pastor que se preocupa com cada ovelha, os salmos que falam de um Deus que sabe o número de fios de cabelo de cada um de nós, ou que conhece a palavra que queremos dizer antes de ela chegar na boca... Quantas pessoas terão lido essas passagens e experimentado no seu íntimo o ser reconhecido e amado? A festa do pai comemorando o retorno do filho é uma figuração precisa dessa visão de mundo que fez a síntese mais perfeita entre o individual e o coletivo, entre a pessoa, a sociedade e a história.
Também é assim a narrativa do encontro de Jesus com a mulher samaritana à beira de um poço onde ela havia ido buscar água. Além de mulher, com a qual um judeu adulto não devia falar, ela era de uma etnia considerada impura e, ainda, tinha tido vários maridos. E, no entanto, foi ela a primeira pessoa a quem Ele contou ser o Messias. E aprendeu que esse Messias trazia uma água viva, capaz de saciar as sedes humanas para sempre. E, também, que o que importava de agora em diante, não era mais o culto prestado a Deus em templos especiais e nem a oferta de sacrifícios, mas o culto em espírito, ou seja, na vida cotidiana, uma espiritualidade viva. Seu alimento era essa Palavra que mudava radicalmente nossos valores e nos ensinava a olhar para o alto e para o lado com um novo olhar e um novo coração.
Em tudo isso estava presente a mensagem maior, a doação do Pai aos filhos. A partir dela não éramos mais dominantes e dominados, gregos ou romanos, judeus ou pagãos, homens ou mulheres... O poder maior não era o dos reis e dos impérios, mas o do serviço e da inclusão de todos no amor do Pai. Por isso Jesus disse a frase que ecoaria longe: meu reino não é deste mundo. Os reinos deste mundo não têm substância.
Que legado é esse que alimenta nossa memória coletiva e que ainda celebramos, passados mais de dois milênios? E, ao mesmo tempo, não compreendemos, pois a lógica é tão estranha aos nossos apegos mundanos! Aponta uma perfeição que preferimos pensar ser inalcançável. E então fica aquele abismo entre a profundidade da Palavra e o que vai na nossa prática. E muitas vezes praticamos uma fé intimista, sem efeitos solidários, na qual muitas vezes eu mesma me incluo. Assim, toleramos uma sociedade com tantas pessoas à margem. A vida plena é para todos, e não por nossos méritos, mas pelo amor do Criador, que aponta sempre para nosso potencial e nossa força.
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